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A Arábia Saudita, Egito e Jordânia estão a engenhar uma coligação para atuar no Iémen. Perceba as causas e as eventuais consequências de tal ação. Será o esboço da força que eliminará o Estado Islâmico?

Um velho ditado diz que a “União Árabe” é um paradoxo a par com “inteligência militar”. Tida não como um essencialismo racial, mas como uma crítica ao pan-arabismo, esta observação tem-se revelado como verdadeira nos últimos tempos. Contudo, o anúncio de um “acordo de princípios” por parte do presidente egípcio Abdel-Fattah El-Sisi’s com a Liga Árabe para criar uma força militar conjunta, pode vir a ser diferente. Sendo impossível derrotar o Estado Islâmico só pelo poder aéreo, os E.U.A deveriam receber bem esta medida – assim como Israel.

As políticas específicas que geraram esta proposta devem-se ao desejo do Egito de reestabelecer o seu estatuto no mundo Pós-Primavera Árabe, assim como o desejo da Arábia Saudita de manter um regime apoiado pelo Irão de forma a ganhar uma posição no Iémen.

Comece-se por ver os interesses do Egipto. Não foi por coincidência que o anúncio vindo por parte da cimeira da Liga Árabe em Sharm el-Sheikh tenha sido feito por Sisi. E não foi por uma questão de ele ser o anfitrião da cimeira. A política externa é parte do esforço de Sisi de solidificar a sua legitimidade nacional depois do golpe do exército Egípcio contra o governo eleito de Mohamed Mursi.

A ação militar de uma união de árabes sob liderança egípcia tem um profundo significado para os egípcios. Historicamente, o pilar de todo o militarismo pan-árabe sempre foi o Egipto. Gamal Abdel Nasser ganhou um enorme prestígio internacional e influência para o seu país ao projetar poder militar e, simultaneamente, um ponto geográfico e geostratégico no mundo Árabe. Entre 1958 e 1961, Nasser conseguiu até uma breve união com a Síria, o que não é, obviamente, um país contíguo com o Egipto – para criar a República Árabe Unida.

Existe até uma antiga ligação do Egipto com o Iémen. Em 1962, depois da Síria se ter retirado da República Árabe Unida, os oficiais de Nasser reclamaram a monarquia do antigo reino de Iémen e criaram a República Árabe do Iémen. As tropas egípcias apoiaram este regime iemenita do norte durante cinco anos, numa guerra civil contra monarquistas apoiados pela Arábia Saudita e Jordânia.

Desta vez, os interesses da Arábia Saudita e do Egipto estão em sintonia. Os rebeldes Hutis que, por agora, controlam a capital iemenita Sanaa, pertencem a uma ceita religiosa conhecida por Zaidismo. Esta ceita diverge do Xiismo Duodecimano do Irão e do Hezbollah libanês, mas é xiita no sentido em que aceita a linhagem do califado que passou por Ali ibn Abi Talib, o profeta do primo e filho bastardo do Profeta Maomé (Zayd ibn Ali foi um bisneto de Ali).

Essa ligação foi próxima o suficiente para que os iranianos fornecessem um apoio significativo aos Hutis. Claramente, a afinidade do Irão para com os Hutis é mais geopolítica do que religiosa. Os Iranianos veem a Arábia Saudita como sua adversária ao longo do golfo Pérsico, e qualquer pedaço de terreno na Península Arábica é uma potencial peça de xadrez importante contra a Arábia Saudita. Em todo o caso, a República Islâmica do Irão não tem insistido numa sobreposição mais precisa de crenças xiitas na escolha dos aliados árabes.

Por um lado, a última coisa que os sauditas querem é um regime iemenita apoiado pelo Irão. É por isso que têm andado a bombardear Sanaa – para despojar os Hutis.

Hani Mohammed/AP Photo

O desafio do bombardeamento saudita consiste em, numa perspetiva regional, o equivalente a estarem envolvidos com o Irão numa guerra de procuração para reclamar o Iémen. Por isso só têm a ganhar com a cooperação dos egípcios e dos outros sunitas árabes na guerra contra os Hutis. Por um lado, faz com que a sua luta seja mais legítima se tiver apoiantes vindos do exterior. Por outro, mostra ao Irão que a Arábia Saudita tem aliados do mundo árabe sunita.

Os EUA podiam não ter nenhum interesse nesta mais recente jogada na luta entre sunitas e xiitas, se não fosse pelo Estado Islâmico. A questão é que as capacidades do Estado Islâmico para recrutar e o seu prestígio derivam da sua habilidade de conseguir manter território e agir como um soberano dentro desse território. Para que o Estado Islâmico falhe, tanto teoricamente como na prática, é necessário que perca território. Até agora, os bombardeamentos por parte dos EUA, por si só, ainda não conseguiram produzir resultados nesse sentido.

Parece ser necessária a existência de tropas terrestres para que o Estado Islâmico seja derrotado. Os curdos peshmerga conseguiram fazer alguns progressos nesta luta, assim como os militares iraquianos xiitas apoiados pelo Irão.

No entanto, a longo prazo poderão ser necessárias tropas terrestres dos árabes sunitas para derrotar o Estado Islâmico na Síria. Os sauditas estão relutantes em fornecer tropas terrestres sozinhos. A Jordânia lançou ataques aéreos contra alvos do Estado Islâmico, mas também parece improvável que consigam fornecer a maior parte da força terrestre. Se a cooperação militar egípcia-saudita-jordana for bem-sucedida no Iémen, então torna-se concebível que as tropas egípcias possam fornecer o núcleo principal de uma eventual força terrestre contra o Estado Islâmico. O Egipto receberia dinheiro dos sauditas – mas, mais importante, Sisi poderia ajudar o Egipto a reconquistar algum do prestígio internacional que tem vindo a perder nas últimas décadas. Não só poderia ajudar a sua legitimidade nacional de forma considerável, como também poderia ocupar o exército egípcio numa tarefa bélica, o que permitiria a Sisi consolidar o seu controlo militar.

Seria até improvável que Israel se opusesse. O Egipto e a Jordânia têm tratados de paz com Israel, e a Arábia Saudita tem demonstrado abertura para tal tratado. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, claramente vê o Irão como a maior ameaça geopolítica. Na luta entre sunitas e xiitas, Israel cada vez mais se pronuncia como estando do lado dos sunitas.

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