Apesar de ser pouco comentada, a indústria de armamento é uma das maiores no mundo. Quem mais lucra? Quem são os grandes clientes?
Uma das características do século XXI, particularmente desde a crise financeira de 2008, tem sido o número crescente de rankings onde os EUA já não se encontram em primeiro lugar. O título de maior exportador de armas, no entanto, não é um deles – pelo menos ainda não – com os EUA a manterem o seu lugar número um quase todos os anos desde o final da Guerra Fria.
Na Exibição de Defesa Internacional de Fevereiro em Abu Dhabi, cerca de 1,200 empresas de 56 países mostraram o seu hardware, tentando vender os seus satélites de vigilância de alta resolução, os drones Reaper, e metralhadoras Kalashnikov aos oficiais de governo e membros do exército presentes no evento. Vários fabricantes de armamento Americano estavam presentes na esperança de manterem o seu domínio global.
Os EUA controlavam 31% do mercado global de exportações de armas de 2010 a 2014, acima dos 29% de 2005 a 2009, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), o coletor de estatísticas de trocas de armas e gastos para defesa mais famoso do mundo. A Rússia chegou perto ficando em segundo lugar com 27%, um aumento significativo dos 22% do período anterior, seguido pela China, Alemanha, e França cada um com 5% de participação no mercado de armas.
A rápida e crescente riqueza dos mercados emergentes como a Índia e países da África que estão a utilizar um crescente volume de armas está rapidamente a mudar o mercado de armamento, em particular devido à instabilidade global que está a aumentar ano após ano. O surgimento de conflitos que envolvem organizações não-estatais no Médio Oriente e em África está também a forçar mais países a armazenarem armas, levando a uma maior procura de tanques, sistemas de armamento avançados, e especialmente armas ligeiras.
E a concorrência regional entre a Índia e a sua vizinhança Paquistão e China, assim como a Arábia Saudita e os estados do Golfo com o Irão, contínua em ponto de ebulição. Os cofres dos governos, cheios com as receitas do petróleo, bens manufaturados e outras exportações podem ser rapidamente usados para comprar armas no estrangeiro, mesmo se os gastos na educação, saúde e em infraestruturas sejam apostas mais benéficas a longo prazo. O Serviço de Pesquisa Congressional dos EUA estima que no globo as transferências de armas ascenderam aos $51 mil milhões de dólares em 2004 até a $85mil milhões em 2011, fazendo em total mais de $500 mil milhões de dólares num espaço de oito anos.
O domínio corporativo dos EUA
Lockheed Martin: Blackbird
Neste momento, a indústria de defesa global continua a ser uma área dominada pelas corporações dos EUA. Seis empresas americanas classificadas entre as oito melhores empresas globais, possuem bases em receitas relacionadas com defesa. A Lockheed Martin no topo da lista, com $35 mil milhões em vendas de armas, a Boeing em segundo lugar ($31 mil milhões). A Raytheon ($22 mil milhões),O Northrop Grumman ($20 mil milhões), e a General Dynamics ($19 mil milhões) ficaram em quarto lugar, quinto e sexto lugar, enquanto a United Technologies ($12 mil milhões) foi o oitavo.
Obviamente, uma grande parte das receitas geradas por estas empresas originam do Departamento de Defesa dos EUA. Mas as exportações são essenciais, uma vez que permitem às empresas produzir maiores quantidades de aviões de combate, tanques e outros sistemas de armas, reduzindo dessa forma o custo por unidade, o que acaba por beneficiar o Pentágono e os contribuintes americanos.
Desta forma, por um lado as exportações de armas ajudam a obter a segurança nacional do país e os objetivos de política externa, também fornecem benefícios económicos significativos, bem como, em particular para os trabalhadores e as comunidades onde a produção está localizada.
Quem está a comprar
Os compradores na Ásia e na Austrália são os maiores clientes de armas dos EUA, ou em números 48%, enquanto os destinatários no Médio Oriente compram 32%. Outros 11% foram para a Europa. Enquanto isso, os maiores compradores da Rússia foram a Índia, China e Argélia, que consumiram 60% das exportações de armas da Rússia. No geral, vendeu armas para 56 países e para os rebeldes que apoia na Ucrânia, de acordo com o SIPRI.
Uma das mais interessantes, e talvez perturbadoras, tendências globais é o aumento de gastos em defesa e armas através de trocas comerciais pelos mercados das economias emergentes. A Índia foi o maior importador de armas de 2010 a 2014, sendo responsável por 15% de todas as importações globais de armas, seguida pela Arábia Saudita, China e Emirados Árabes Unidos.
Como os países da Ásia e da África estão a ficar mais ricos, grandes somas estão a ser gastas em defesa, em especial armas importadas dos maiores produtores do mundo.
A África, que tem vivenciado um dos crescimentos econômicos mais impressionantes do mundo ao longo da última década, viu as importações de armas aumentarem em 45% nos últimos cinco anos. Parte disto é devido a inesperadas receitas pelos países produtores de petróleo, enquanto as rivalidades entre estados como a Argélia e Marrocos e conflitos intraestatais na Nigéria e Camarões impulsionam a demanda adicional de armas.
A China, cuja economia superou recentemente a dos EUA em paridade do poder de compra, ficou colocado em terceiro lugar nas exportações de armas, pela primeira vez, o que significa a crescente importância do país nos assuntos internacionais. Também mostra o rápido aumento do orçamento de defesa da China, o que preocupa muitos dos seus vizinhos, assim como os EUA.
O mercado ilegal de armas
Tradicionalmente, os países são os compradores primários de armamentos. No entanto, o surgimento de organizações não-estatais, como a Al-Qaeda, Boko Haram, e ISIS tem levantado preocupações sobre as armas caírem nas suas mãos. Organizações como estas raramente compram armas diretamente aos principais países exportadores de armamento – certamente não aviões, tanques e artilharia pesada.
Os terroristas e os grupos guerrilheiros tipicamente adquirem armas de duas formas. Primeiro o comércio ilícito de armas pequenas e leves (portáteis) como metralhadoras, granadas, morteiros e minas terrestres. Muitas destas armas estão em circulação há décadas, resultado dos EUA e do apoio soviético aos seus respetivos aliados durante a Guerra Fria.
Estas armas são facilmente contrabandeadas através das fronteiras atualmente, algo que é facilitado por todos benefícios de logística, de comunicação e também benefícios financeiros que a globalização oferece para legitimar o comércio internacional. Quando países como a Líbia colapsam numa guerra civil, o seu fornecimento de armas é rapidamente adquirido pelas fações dentro do país, ou entram no mercado de armas ilícitas global.
A segunda maneira das organizações não-estatais adquirirem armas é através de soldados que derrotaram em batalha, ou através de reservas militares das áreas que conquistaram. Neste caso, por exemplo, os benefícios de Boko Haram graças aos seus simpatizantes militares nigerianos que estão a facilitar a transferência de armas para o grupo terrorista, bem como as fronteiras porosas que tornam mais fácil o transporte de armas de países vizinhos.
A ISIS obteve muitas armas ligeiras do campo de batalha, onde derrotou forças iraquianas, e armas mais sofisticadas quando invadiu bases militares iraquianas. É um facto lamentável que um número maior de pessoas ao redor do mundo, especialmente os não-combatentes, sejam mortos por estas armas ligeiras e armamento do que os sistemas de armas muito mais caros associados com os grandes empreiteiros da defesa, como a Lockheed Martin ou BAE Systems sediado no Reino Unido.
O mundo das armas depois do 11/9
No mundo pós 11/9, os líderes militares estão a priorizar o comando, controlo, comunicações, computadores, informação, vigilância e reconhecimento do terreno em vez dos sistemas de armas mais tradicionais, como aviões, navios e tanques. Como resultado, as empresas menos conhecidas, como a L-3 Communications, Exelis e Leidos estão a subir rapidamente nos rankings globais através da produção de aviões de alta tecnologia, drones, dispositivos de criptografia, sensores, óculos de visão noturna e serviços de tecnologia da informação.
Em resposta aos cortes no orçamento de defesa dos Estados Unidos nos anos seguintes aos ataques no Iraque e Afeganistão, a maioria das empresas de defesa diversificaram as suas vendas para aplicações que não estão relacionadas com a defesa, ou para outros países por meio de exportações. Estas tendências tornaram a concorrência para os contratos de armas do Pentágono ainda mais intensa, já que cada vez menos e mais caros artigos estão a ser adquiridos.
Mas isso parece estar a mudar em função dos elevados níveis de insegurança global relacionados com grupos terroristas, provocações por parte da Rússia, as rivalidades na Ásia e as ambições nucleares do Irão e Coreia do Norte. Nas últimas semanas, o Congresso pediu aumentos nos gastos com a defesa. E outros países estão a usar o seu crescente poder econômico para construir o seu próprio poderio militar, desta forma eles podem proteger de uma forma melhor os seus interesses e aumentar a sua influência regional e global.
No final do dia, os principais vencedores da insegurança global são provavelmente as empresas de defesa.