A China à conquista do espaço
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Nos últimos tempos os esforços chineses de exploração espacial têm-se multiplicado. Qual será o propósito da estratégia espacial chinesa?

No final de 2013 a China enviou um foguete para a lua. Transportava a sonda Coelho de Jade para ser colocada na Baía dos Arco-Íris. Apesar dos nomes líricos, o Coelho de Jade (“Yutu”) é um andarilho de seis rodas diligente e multiforme e a Baía do Arco-Íris é uma planície vulcânica árida. A missão foi um marco importante para a mais nova superpotência do mundo; tinham passado 37 anos desde que um país tinha desembarcado uma sonda na Lua.

A primeira corrida espacial foi gerada por uma rivalidade que lançou uma sombra sobre grande parte do século XX, separando o mundo entre o capitalismo e o comunismo e colocando mercados livres contra economias comandadas e controladas. O voo orbital foi o subproduto do acumular de armas ruinosamente caras e que levou o mundo para a beira de uma guerra nuclear. Será que os dias de viagens espaciais orquestradas por governos e coloridas por aspirações militares terminaram?

Ainda não e poderemos estar a testemunhar uma nova corrida espacial.

O ano em que a China lançou o seu primeiro foguete lunar marcou também a primeira vez, em duas décadas, em que os gastos com programas espaciais do governo diminuíram. O crescente investimento de potências espaciais emergentes foi contrabalançado por cortes orçamentais nos Estados Unidos. Os Estados Unidos ainda têm um pouco mais de metade do total de 72 mil milhões de dólares gastos anualmente, mas o valor decresceu 20% desde o pico de 47,5 mil milhões de dólares em 2009. Até recentemente a Rússia tem estado a utilizar as flutuantes receitas do petróleo para bombear bastante dinheiro extra para o seu programa espacial. É o único outro pais a gastar mais do que 10 mil milhões. A China encontra-se em oitavo lugar mas a mover-se, de forma ascendente, rapidamente. A sua despesa é ainda modesta relativamente ao PIB – mas isto significa que tem a capacidade para fazer ainda mais progressos no espaço.

A China é uma superpotência em rápida emergência e com um PIB per capita (dimensionado para a paridade de poder de compra) que irá exceder o dos E.U.A. dentro de cinco anos. A comparação pela paridade de poder de compra faz sentido na medida em que os bens e serviços são mais baratos na China e recebem um pancada muito maior pelo seu yuan. Os gastos da China com o espaço correspondem à taxa de crescimento da economia que tem sido, em média, 10% ao ano nas últimas duas décadas. Faz um contraste dramático com a Europa e os E.U.A. onde a despesa corrigida da inflação tem estado, nas últimas duas décadas, estagnada ou em declínio.

O oitavo lugar da China no ranking do campeonato do espaço é enganador. Como você sabe de conduzir o seu carro, os objetos no espelho retrovisor podem estar mais perto do que parece. Vamos ver como chegaram até aqui e onde se encontram hoje.

Um pouco de história

O pai do programa espacial chinês é Qian Xuesen. Deixou Xangai para estudar no MIT ao mesmo tempo que Mao Zedong iniciou a Grande Marcha, uma retirada sangrenta por parte das forças nacionalistas e que ajudou a consolidar o seu domínio no Partido Comunista. Qian trabalhou, de seguida, na Caltech onde ajudou o famoso cientista de foguetes, Theodore von Kármán, a fundar o Jet Propulsion Laboratory. No final da Segunda Guerra Mundial Qian e von Kárman seguiram para a Alemanha e ajudaram a coordenar a “Operação Paperclip” que levou Wernher von Braun e outros peritos de foguetes nazis aos E.U.A. Qian tornou-se o mais importante teórico de propulsão de foguetes no país.

De seguida, as forças sísmicas da politica intervieram. Em 1950 a Coreia tornou-se um campo de batalha sangrento com as Nações Unidas e os E.U.A. a apoiaram o Sul e a China e a União Soviética a apoiarem o Norte. Mao sentiu que as superpotências mundiais não o respeitavam e estava convencido de que somente uma dissuasão nuclear iria garantir a segurança da nova República Popular da China. Entretanto, a “Ameaça Vermelha” varria os E.U.A.; Qian Xuesen foi destituído do seu “certificado de segurança” e colocado sob prisão domiciliar. Em 1955 foi autorizado a deixar o país em troca de pilotos americanos capturados durante a guerra da Coreia. Mao estava encantado. Em tempos lamentara que o seu pais não conseguia lançar uma batata para o espaço – logo recebeu Qian como um herói e colocou-o no comando do programa de mísseis balísticos da China.

A China era um pais pobre e o progresso era muito lento. Durante algum tempo beneficiou da experiência e hardware soviético mas em 1960 Mao acusou os soviéticos de retrocesso no comunismo e de impureza ideológica. Assim, a China optou por seguir sozinha – exatamente quando a turbulência e incerteza da Revolução Cultural estava a prejudicar todas as atividades científicas e técnicas. Como resultado, a China lançou o seu primeiro míssil guiado em 1966, 20 anos depois dos E.U.A., e o seu primeiro satélite em 1970, 23 anos depois de os soviéticos terem lançado o Sputnik. Seguiram-se grandes reveses em meados da década de 90. Em 1995 um foguete Long March 2E explodiu logo após o seu lançamento, matando seis pessoas e ferindo 23. Um ano mais tarde, um foguete Long March 3B explodiu 22 segundos depois de ter sido lançado, caindo numa aldeia próxima e causando mais de 200 mortes.

Século XXI

Mas os anos de trabalho paciente e bem financiado valeram a pena. A China tornou-se a terceira nação a lançar pessoas em órbita utilizando o seu próprio veículo. Yang Liwei foi apelidado de taikonaut – uma palavra inglesa puramente inventada e desenhada para dar aos viajantes espaciais chineses um pé de igualdade com os astronautas americanos e os cosmonautas russos. Desde aí tem-se verificado um arco ascendente constante. Até ao final de 2013 10 taikonauts tinham andado à volta da Terra em cinco lançamentos. Entre 2008 e 2012 a China lançou uma média de 20 naves espaciais por ano. A maioria está a fazer trabalho mundano, contudo essencial, a transportar satélites de telecomunicações para órbita.

Os chineses estão bem conscientes do seu lugar na história e da forma como os outros os encaram. Também valorizam marcos cerimoniais – os meios de comunicação estatais anunciaram o lançamento da Shenzhou 10 em 2013, 10 anos após o primeiro chinês ter viajado para a órbita da Terra. A tripulação incluiu a segunda taikonaut do género feminino, Wang Yaping. Ela transmitiu uma aula de física, ao vivo, para estudantes chineses por brincadeira. “Não vimos nenhuns OVNI”. Como relações públicas para o programa espacial rivalizava com os esforços do astronauta canadiano, Chris Hadfield, que tocou guitarra e cantou “Space Oddity” de David Bowie na Estação Espacial Internacional. A Shenzhou 10 também testou as capacidades de encaixe da nave espacial com um módulo que é o precursor da própria estação espacial de tamanho real da China.

Wang Yaping tem um toque suave mas o tom geral dos taikonauts chineses é sério e patriótico. No lançamento da Shenzhou 10 o Presidente Xi Jinping disse à tripulação:

"Vocês fazem com que todo o povo chinês se sinta orgulhoso. A vossa missão é simultaneamente gloriosa e sagrada."

O comandante Xie Haisheng respondeu na mesma moeda: “Nós iremos certamente obedecer ordens, cumprir ordens, ser firmes e calmos, trabalhar com o máximo cuidado e completar perfeitamente a missão da Shenzhou 10.” Wang Yaping também partilhou uma mensagem, dizendo que durante os exercícios de paraquedas da Força Aérea: “Nós, raparigas, chorávamos todas enquanto cantávamos a inspiradora canção ‘A hero never dies’ no caminho de volta após o treino.”

Não tem sido tudo navegação ligeira, no entanto. A sonda lunar Chang’e 3 foi a primeira aterragem suave chinesa num corpo extraterrestre mas o Coelho de Jade viajou somente 100 metros na Lua antes de ser imobilizada por falha mecânica. Os engenheiros não tinham antecipado certas exigências, 14 dias de longas noites lunares, e declararam que o problema era elétrico e não mecânico, com os componentes a sofrer de “congelamento”. No final de 2014 o andarilho enviava dados limitados – e estava vivo, ainda que mal.

Entretanto, a China enviou um foguete para a Lua e irá trazer uma amostra lunar em 2017. A China tem estado também a elaborar planos para o lançamento de foguete tripulado para a Lua que será mais poderoso do que o Saturn V. Em 2020 a China poderá lançar a sua própria estação espacial, na medida em que a Estação Espacial Internacional está a ser desmantelada e a cair no oceano. Até então também poderá estar em posição de aterrar taikonauts na Lua, meio século depois dos americanos terem abandonado esses esforços. Os chineses tiveram a vantagem de não terem que desenvolver uma série de tecnologia espacial em primeiro lugar. A Rússia estava sem dinheiro na década de 90 e vendeu a sua tecnologia aos chineses, que reverteram a engenharia e copiaram-na. Como resultado, Shenzhou é parecida com a cápsula Soyuz e a Jade Rabbit é parecida com o andarilho Lunokhod. Agora os chineses estão a inovar e a dar um salto em frente. O seu foguete Long March é original e eclipsou rapidamente os foguetes russos.

A idade média dos colaboradores do programa espacial chinês é de 27 anos, menos de metade da idade média dos funcionários da NASA. Daqui a uma década, quando essa energia juvenil for compensada pela experiência, a China vai ser um jogador formidável.

China vs. EUA

Nada disto deixa as autoridades dos EUA muito felizes.

As suspeitas das intenções chinesas no espaço circulam profundamente nos círculos políticos americanos. Os oficiais da NASA estão impedidos de trabalhar com cidadãos chineses e o Congresso barrou a visita de chineses – sem um documento especial – às instalações da NASA. A proibição estende-se à Estação Espacial Internacional, apesar do facto de muitos dos parceiros nesse projeto gostarem de envolver a China em vez de a tratarem como adversária. Os legisladores dos EUA irritaram-se com um teste antissatélite chinês em 2007 que criou a maior nuvem de detritos espaciais na história quando pulverizou um dos seus próprios satélites mais velhos. Ironicamente, a legislação ITAR que tanto frustra os empresários americanos do espaço foi projetada para impedir que países “hostis” adquirissem tecnologia com aplicações militares, mas não desacelerou, de modo algum, os chineses. A maior parte daquilo que querem, constroem; aquilo que não conseguem construir, compram a outros países.

O programa espacial chinês está em ascendência em parte porque seguiram o exemplo estabelecido pelos EUA na década de 60: financiamento saudável e um único objetivo. Adicionalmente, na medida em que a China é uma sociedade rigidamente controlada e dirigida por um governo com responsabilidade limitada, o Exército de Libertação Popular é capaz de ter uma grande influência no programa espacial. Desde o seu controverso teste de 2007 a China continuou a desenvolver as suas capacidades antissatélite e tem também ao seu alcance a possibilidade de ter a sua própria rede de satélites GPS, que poderão ter fins militares ou civis. Em abril de 2014 o Presidente Xi ordenou à sua força aérea que acelerasse a integração de capacidades aéreas e espaciais. A China até se encontra a desenvolver a sua própria nave espacial, um “projeto negro” chamado Shenlong ou “Dragão Divino”.

Para aqueles que se preocupam com a militarização do espaço tudo isto traz à mente a suposta maldição chinesa: “Que você viva em tempos interessantes.”

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