Aquele que já é considerado pelas Nações Unidas como o pior desastre humanitário desde a Guerra Fria não terminará em breve. Apresentamos 3 razões para que assim seja assim como 3 passos necessários para inverter a situação.
Em março de 2015, a guerra civil síria, devidamente declarada pelas Nações Unidas como “o pior desastre humanitário desde a Guerra Fria” fez cinco anos. Tragicamente, apesar dos massacres e da destruição, o conflito está tão longe de terminar hoje como esteve quando começou a revolução na primavera de 2011. A repressão inicial dos protestos políticos pacíficos, evoluiu para um ciclo de violência que progressivamente escalou, resultando numa autêntica guerra interna, cujo impacto é sentido em toda a parte.
Conflito insolúvel
Atualmente, vários fatores tornam o conflito difícil de se resolver. Eis três razões que ilustram por que motivo não há fim à vista para este conflito – seguido de três formas com as quais a comunidade internacional poderá ajudar a acalmá-lo.
Mulher síria perto da sua casa destruída pelo Exército Árabe Sírio, Al-Quisayr
1. É um jogo de soma zero.
A revolução começou por motivos de desigualdade social e de desejo de terminar com o clima de medo e repressão. Os manifestantes apelaram ao regime sírio e ao seu líder, Bashar al-Assad para realizar reformas políticas e económicas profundas. Impulsionados por um ciclo de repressões violentas por parte do governo sírio, o foco dos protestos rapidamente se tornou derrubar o regime. À medida que os confrontos se tornaram violentos e militarizados, emergiu um jogo dinâmico de soma zero. Atualmente, embora a maioria das partes beligerantes estejam exaustas, também acreditam não existir outra alternativa à guerra, que a única conclusão possível é ou a vitória ou a morte.
Pior ainda, este cálculo de soma zero enquadrou-se em termos sectários. As principais comunidades religiosas na Síria, incluindo da maioria árabe sunita e os alauitas, os ismaili, os drusos e as minorias cristãs (com os curdos sírios a lutarem principalmente pelo seu próprio território no norte do país) ficaram de facto associadas a vários níveis com forças pró- ou anti-regime. Assim, a maioria das comunidades começou a ver o destino de Bashar al-Assad profundamente ligado ao seu próprio lugar na Síria. À medida que a guerra continua e o número de vítimas aumenta em ambas as partes, os sentimentos de luta pela sobrevivência e desconfiança mútua reforçam-se, diminuindo imenso as hipóteses de uma resolução política com êxito.
Campo de refugiados emAlepo, dezembro 2013
2. Não é só um problema dos sírios
A guerra civil síria nunca se tratou de um problema exclusivo desse país. Desde o princípio que as potências regionais e internacionais intervieram no conflito em apoio das diferentes partes. A Síria, tal como o Iémen, é uma frente na guerra por procuração entre a Arábia Saudita e o Irão por hegemonia regional. O Irão e a Arábia Saudita permanecem fortemente empenhados em apoiar e opor o regime de Assad, respetivamente. À medida que as partes se tornam cada vez mais dependentes de assistência estrangeira para continuar a sua luta por mais tempo, também perdem parcialmente controlo na guerra e na sua dinâmica.
Dado o elevado nível de interesse e investimento estrangeiro na Síria, o conflito não pode ser resolvido sem o envolvimento de ambas as partes sírias e os seus apoiantes externos. Igualmente importante, a ascensão de grupos jihadistas maioritariamente estrangeiros como o “Estado Islâmico” (ISIS) agravou ainda mais a situação ao retirar o poder de decisão dos agentes sírios e ao estabelecer-se como uma força radical que irá destruir qualquer acordo político que se negoceie.
3. Estão demasiados jogadores em jogo
O conflito na Síria tornou-se demasiado complexo, com o número de partes beligerantes a aumentar, o que faz com que considerar chegar a um acordo político global que mantenha todas as partes satisfeitas seja extremamente difícil. A oposição anti-Assad continua profundamente fragmentada e, no geral, têm estado demasiado ocupados tanto a lutar uns com os outros – politicamente e militarmente – como a lutar contra o regime. Esta tendência tem vindo a piorar exponencialmente com a ascensão de organizações jihadistas como a Jabhat al-Nusra – atualmente a frente síria da Al-Qaeda – e, mais recentemente, o ISIS. Ambos os grupos lutam regularmente contra outras forças da oposição, assim como contra o estado sírio. A escassez de armas e fundos estão a fomentar mais conflitos entre as várias fações rebeldes.
No entanto, uma vitória evidente no campo de batalha e uma das partes a ganhar o controlo da Síria não é mais provável do que um acordo político negociado. À medida que cada vez mais intervenientes se envolvem, permanece um fator constante: nenhum grupo ou fação tem a força militar necessária para simultaneamente derrotar todos os seus adversários e declarar uma vitória militar. A situação poderia mudar se as forças anti-Assad fossem capazes de prosseguir com uma campanha coordenada e recebessem assistência financeira e militar externa prolongada. Contudo, tendo em conta o estado extremamente fragmentado da oposição e a relutância geral da comunidade internacional, esse cenário parece pouco provável.
Assim, como é que se reverte a tendência?
Que esperança existe para esta situação trágica? A comunidade internacional deve assumir o papel de mudar o estado intratável do conflito para solvível e apoiar a estabilização da Síria. Para isso, a sua abordagem tem de ir muito além do seu objetivo atual de reduzir e derrotar militarmente o ISIS, assim como impedir que o conflito se espalhe para os países vizinhos da Síria – uma estratégia que sem dúvida já falhou.
1. Criar novas realidades para além da guerra – agora
A economia, as infraestruturas e o próprio tecido social da Síria foram destruídos. O país funciona como uma economia de guerra e lutar parece ser a única das poucas opções que existem para se gerar algum lucro. No país existem mais de 7 milhões de pessoas que foram desalojadas internamente e mais de 12 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária básica para sobreviver. Os atuais financiamentos e recursos internacionais não chegam para cobrir todas as necessidades humanitárias da Síria – incluindo a assistência alimentar – por isso têm de ser aumentados. Além disso, a prioridade da comunidade internacional deve ser trabalhar para garantir o acesso dos trabalhadores humanitários, pois eles não conseguem chegar a todas as partes da população síria, seja devido ao bloqueio por parte do regime ou pelo controlo extensivo do ISIS.
Dar assistência à população civil e sustentar os intervenientes locais no projeto de reconstruir lentamente o seu país e sociedade é a chave para tanto prevenir mais desestabilização e lançar as bases para o futuro. A comunidade internacional precisa agora de apoiar os grupos locais, especialmente aqueles oriundos da sociedade civil, de se concentrar em questões vitais tais como o desenvolvimento económico, acordos de partilha de poder e justiça transicional.
Taftanaz, Síria
2. Além da guerra por procuração: tomar medidas para a abrandar
A abordagem internacional atual para inverter a espiral negativa é paralisar as áreas de conflito – negociar cessar-fogo local para que os fornecimentos possam chegar às áreas locais e a violência possa parar. Isso tem os seus méritos, mas só resulta se nenhuma das partes beligerantes aproveitar esses cessar-fogos para melhor a sua posição no terreno. Prosseguir com esses cessar-fogos tem de estar em conformidade com tentativas ativas por parte da comunidade internacional de impedir os intervenientes externos de continuar a fomentar o conflito. Em primeiro lugar, isso exige que aqueles que financiam o regime sírio e o protegem de sanções internacionais sejam abordados.
3. Simplificar o jogo: enfrentar os perturbadores
Sem nenhuma vitória militar evidente à vista, um acordo político continua a ser a melhor aposta – se bem que extremamente complexa – para pôr um fim à guerra. Conseguir tal acordo vai ser um longo e tortuoso processo que inevitavelmente exige a participação dos principais intervenientes regionais envolvidos. A comunidade internacional pode sustentar esses esforços ao dificultar os esforços do regime sírio em manter a guerra e ao continuar com os seus esforços de enfraquecer o ISIS, que seria um óbvio perturbador de qualquer acordo político futuro. Mas isto não chega: só uma oposição síria não-jihadista forte pode por fim lutar pelo controlo e desviar o apoio de grupos radicais como o ISIS e a al-Nusra e sentar-se na mesa de negociações. Devem ser encorajados e apoiados os esforços internos para reforçar a unidade entre as fações rebeldes e criar alianças anti-ISIS.
A guerra civil síria é uma tragédia humanitária de proporções colossais com efeitos regionais devastadores e desestabilizadores. É do interesse da comunidade internacional trabalhar para inverter estas dinâmicas e começar a reduzir o conflito. Não é só o futuro da Síria que está em causa, mas de toda a região do Levante.