A ONU reviu drasticamente as suas projeções demográficas dos próximos 90 anos anunciando que a população africana provavelmente atravessará um crescimento populacional sem precedentes na história da humanidade.
A Divisão de População das Nações Unidas, que monitoriza dados demográficos de todo o mundo, reviu drasticamente as suas projeções para o que vai acontecer nos próximos 90 anos. As novas estatísticas, baseadas em profunda pesquisa na África Subsaariana, conta a história de um mundo prestes a mudar drasticamente ao longo das próximas décadas. A maioria dos países ricos irá encolher e envelhecer (com algumas exceções importantes), os países mais pobres irão expandir-se rapidamente e, talvez o mais importante de tudo, a África irá observar uma explosão populacional quase sem precedentes na história humana.
Se estes números acabarem por se confirmar – são apenas projeções e circunstâncias imprevistas podem alterá-los significativamente – o mundo de 2100 irá ser muito diferente do mundo de hoje, com implicações para todos. Será um lugar onde as dominantes e desenvolvidas economias de hoje estarão cada vez mais focadas em apoiar os idosos, onde os países menos desenvolvidos serão transformados por booms populacionais e onde a África, para o melhor ou o pior, será mais importante do que nunca.
Aqui está a história dos próximos 90 anos, como prevista pelos dados demográficos da ONU, explicada em nove gráficos.
1. A grande história será África
Neste momento, com algumas exceções, a densidade populacional de África é relativamente baixa. É um grande continente – contudo mais escassamente povoado do que, digamos, a Europa ou Ásia Oriental. Isto está a mudar muito rapidamente. Espera-se que a população total do continente mais que quadruplique em apenas 90 anos, um surpreendentemente rápido crescimento que fará com que África se torne mais importante do que nunca. E não será apenas isso: a atual força de trabalho será quatro vezes superior, a pressão sobre os recursos será quatro vezes maior e haverão quatro vezes mais eleitores. O rápido crescimento em si provavelmente irá transformar as dinâmicas políticas e sociais no seio dos países africanos e assim a sua relação com o resto do mundo.
A Ásia irá continuar a crescer mas o seu crescimento populacional, já em desaceleração, deverá atingir o pico daqui a 50 anos e a partir daí deverá entrar em declínio. Tal como aconteceu no Ocidente, as economias emergentes irão observar taxas de natalidade em declínio. E essa curva em declínio poderá representar algumas questões demográficas problemáticas; irá desenvolver-se mais sobre isto à frente.
A história nessas três pequenas linhas na parte inferior é menos promissora. A Europa irá continuar a encolher, o que está a agravar os seus problemas económicos. A população da América do Sul irá aumentar até cerca de 2050, altura em que começará o seu próprio declínio populacional gradual. A América do Norte é a história de sucesso menos ambígua: continuará a crescer a um ritmo lento, e uma taxa sustentável, ultrapassando a população total da América do Sul por volta de 2070.
2. A China encolhe, a Índia estabiliza, a Nigéria será importante
Este gráfico mostra o futuro daquelas que são hoje as cinco nações mais populosas do mundo. As duas grandes históricas aqui são a China e a Nigéria, a última das quais terá quase mil milhões de habitantes até 2100 e terá ao seu alcance a hipótese de ultrapassar a China em termos populacionais. Considerando que a Nigéria corresponde à área do Texas – trata-se de uma possibilidade verdadeiramente espantosa.
A Nigéria, atualmente o país mais populoso de África, aguarda um dos booms populacionais mais rápidos do mundo e de sempre. Em apenas 100 anos, talvez duas ou três gerações, a população deverá aumentar para oito vezes o número atual. O país já se encontra atormentado pela corrupção, pobreza e conflito religioso. É difícil imaginar como é que um governo que mal consegue servir a sua população agora responderá quando a procura por recursos, serviços sociais, escolas e estradas aumentar. Ainda assim, se conseguirem – as vastas reservas de petróleo do país poderão certamente ajudar – a força de trabalho em rápido crescimento poderá, teoreticamente, oferecer um milagre africano semelhante ao, digamos, chinês.
Os líderes chineses sabem que a sua crise demográfica está a chegar. Não é nenhum mistério: a enorme população do país em idade ativa só pode ter um filho por casal, o que significa que quando a atual geração se reformar haverá um conjunto crescente de reformados e a força de trabalho começará a diminuir. Esses idosos reformados serão um enorme fardo para a economia chinesa, que está a começar a desacelerar. À medida que a China envelhece e encolhe, a sua força de trabalho irá tornar-se menor precisamente ao mesmo tempo em que irá necessitar mais da mesma. Não se engane, a China irá continuar a ser um enorme, importante e muito provavelmente bem sucedido país mas a sua demografia irá mudar rapidamente de uma grande ajuda para um grande obstáculo. Mantenha isso em mente da próxima vez que alguém lhe disser que a China está prestes a dominar o mundo.
Quanto ao terceiro: a população em rápido crescimento da Índia, que o país tem aproveitado mas que em muitas formas não tem conseguido servir, irá finalmente estabilizar por volta de 2065. A Indonésia irá crescer moderadamente. Os Estados Unidos também irão crescer, um pouco mais rapidamente do que a Indonésia mas não passarão por um boom como a Índia. Uma vez mais, trata-se de uma boa notícia para os EUA.
3. Provavelmente África será a próxima Ásia
Este gráfico mostra as populações asiática e africana desde 1950 até aos dias de hoje – e projetada até 2100. Isto não será somente uma questão relevante na medida em que África será quase tão populosa como a Ásia em 2100, após um longo tempo sendo apenas uma fração do tamanho da Ásia. Será uma questão relevante pois é um lembrete de que um crescimento tão rápido altera tudo.
Pare por um momento e considere o crescimento na Ásia ao longo dos últimos 50 anos – a ascenção primeiramente do Japão, de seguida da Coreia do Sul, agora da China e talvez a próxima seja a Índia – e o grau em que já mudou o mundo e continuará a mudar. Espera-se que África cresça ainda mais do que a Ásia. Entre 1950 e 2050 a população asiática terá crescido para 3,7 vezes, quase quadruplicando em apenas cem anos. A população africana, ao longo do seu próprio século de crescimento entre 2000 e 2100, será multiplicada por 5,18 – um crescimento significativamente mais rápido que da Ásia.
Em termos demográficos, ao que parece, o século asiático poderá ser seguido pelo século africano. Trata-se de algo incrível. Mas o notável progresso económico, cultural, político e social asiático teve a ver com mais do que apenas dados demográficos. E mesmo esse crescimento poderá acabar como uma maldição para África se não for acompanhado de dois aspetos que têm sido cruciais para os sucessos asiáticos: boa governação e cuidadosa gestão dos recursos.
Neste momento, diversos países africanos são pouco adeptos da governação ou gestão de recursos. Se não melhorarem, a explosão do crescimento populacional irá apenas agravar a competição pelos recursos – e estamos a falar aqui de coisas básicas como alimentos, água e eletricidade – o que por sua vez torna a instabilidade política e os conflitos mais prováveis. O facto de que haverá um “aumento de jovens” torna a instabilidade e o conflito mais prováveis.
É um grande e totalmente previsível perigo. Se a África é ou não capaz de se preparar para o crescimento da sua população pode muito bem ser um dos mais importantes desafios a longo prazo que o mundo enfrenta no momento.
4. O crescimento populacional africano será Subsaariano
Os dados sobre o crescimento da população africana mostram que o mesmo decorrerá principalmente na região Subsaariana do continente. Estes são os cinco países africanos mais populosos de hoje (excluindo a Nigéria, que cresce tanto que tornaria as outras linhas do gráfico ilegíveis por tão pequenas). O crescimento faz levantar mais o sobrolho quando se torna claro que deixará a culturalmente distinta África do Norte para trás: é todo focado nos países Subsaarianos. A África do Sul também irá crescer mais lentamente.
Considere a Tanzânia, que é hoje um dos países mais pobres do mundo. No ano de 2000 tinha 34 milhões de pessoas – o mesmo que a população da Califórnia nesse ano. Hoje, a Tanzânia tem cerca de 45 milhões de pessoas. Em 2100 projeta-se que a sua população atinja os 276 milhões – quase o tamanho dos Estados Unidos hoje, e até então um dos maiores países do mundo. As histórias de outros países africanos poderão ser semelhantes: prevê-se que a Etiópia e a República Democrática do Congo venham a ser quase tão grandes.
Mesmo que esta previsão demográfica se venha a mostrar exata não temos forma de saber como será uma Tanzânia maciçamente populosa em 2100. Se continuar pobre e problemática como é hoje não augura nada de bom: os recursos hídricos e alimentares serão mais escassos e serão divididos entre mais e mais pessoas – tal como será o dinheiro que o governo faz com a exportação de recursos naturais. Tal normalmente conduz a instabilidade e a um maior risco de conflito. Mas, tal como na Ásia, há também uma real oportunidade para que a futura Tanzânia coloque o crescimento da sua população ao serviço da construção da economia. A questão de como chegar lá, no entanto, não é fácil.
5. Mudança sistémica para países em desenvolvimento e menos desenvolvidos
Em primeiro lugar as definições: os países “desenvolvidos”, a linha azul, inclui a Europa, os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul e outros países ocidentais. Os “países em desenvolvimento”, a linha verde, inclui países como o México, a Rússia ou o Brasil. A China e a Índia inserir-se-iam nesta categoria mas retirei-os. Os “menos desenvolvidos”, a roxo, inclui por exemplo o Haiti, o Bangladesh e grande parte de África.
O que é claro ao observar este gráfico é todo o rápido crescimento na Índia e China – sendo que ambos os países estão prestes a ser ultrapassados pelo resto do mundo em desenvolvimento. Os países mais pobres irão crescer de forma particularmente rápida, de 663 milhões de habitantes para quase 3 mil milhões. Se esses países ficarem presos no seu atual estado de desenvolvimento muitos poderão não ser capazes de lidar com a explosão populacional.
A grande questão poderá ser a linha verde: irão esses países em desenvolvimento continuar a crescer, na sequencia de anteriores histórias de sucesso como a Coreia do Sul e Taiwan? O que é que acontece quando o Sudeste Asiático, o Médio Oriente ou os países da América Latina virem as histórias de sucesso ao estilo da Coreia do Sul? Veja o quanto os sucessos da Coreia já mudaram o mundo. Podemos vir a ver muito mais disso no próximo século.
6. O futuro do mundo desenvolvido é americano
Quer você acredite ou não que o domínio global dos EUA será desafiado pela “ascensão do resto”, tal como Fareed Zakaria descreve o desenvolvimento global que se segue, os dados demográficos sugerem fortemente que a liderança dos EUA no mundo desenvolvido irá fortalecer-se.
Na Europa, Nordeste Asiático e numa angloesfera mais ampla, a maioria dos países irão passar por uma estagnação demográfica ou declínio absoluto, o que tornará esses países menos competitivos, especialmente à medida que o resto do mundo observa um boom populacional. As populações continuarão a envelhecer e encolher ou irão ficar, na melhor das hipóteses, basicamente niveladas.
O único caso realmente esperançoso são os Estados Unidos que, como você pode ver, espera um crescimento bastante saudável e sustentado. A imigração para os EUA será o principal fator aqui, o que ajudará a reverter o declínio demográfico dos EUA – e que irá assombrar o resto do mundo desenvolvido. Normalmente os países veem a sua população a diminuir assim que ficam ricos, tornando o seu sucesso quase auto-destrutivo. A imigração ajudará os EUA a fazer o que muito poucos outros países, incluindo a China, ainda não descobriu: como ser um país rico com uma população em crescimento.
7. A imigração retarda a estagnação ocidental
Se você retirar os EUA do gráfico acima tal irá tornar um pouco mais fácil ver a distinção entre os países desenvolvidos que têm imigração robusta e aqueles que não têm. A Alemanha, o Japão e a Coreia do Sul – que, como a maioria do mundo desenvolvido, restringem a imigração – irão todos ver o declínio. Mas prevê-se que o Reino Unido e França, que permitem alguma imigração das suas antigas colónias, poderão desfrutar de um modesto mas saudável crescimento populacional. Não será tão pronunciado como nos Estados Unidos mas provavelmente irá ajudá-los a evitar algum do previsto declínio económico, conduzido pela demografia, no resto da Europa. É uma ironia que mais de 150 anos após o fim do colonialismo os seus dois mais amplos praticantes continuarão a beneficiar.
8. Estreitando, mas não fechando, a diferença na esperança de vida
Este é um de dois principais fatores do contínuo crescimento populacional asiático e do previsto crescimento populacional africano. A esperança média de vida em ambos os continentes tem vindo a aumentar. Em África, irá aumentar em 50% em apenas um século. É um feito notável. No final deste século, a esperança de vida deverá aproximar-se à média norte-americana dos dias de hoje – mas ainda será a mais baixa do mundo.
A esperança média de vida na Europa deverá rondar os 87,6 e na América do Norte os 89 anos. É uma realização médica incrível mas dá aos economistas ataques de pânico: como é que se irão sustentar as economias se o trabalhador médio gastar um terço da sua vida na reforma?
O segundo fator a dirigir o crescimento da população em África é a taxa de natalidade. Aqui está o número grande que os novos dados populacionais da ONU apresentam: a taxa média de fertilidade em África entre 2005 e 2010 foi de 4.9 crianças por mulher. É um número extremamente elevado e irá causar o aumento de jovens que os economistas do desenvolvimento alertaram que poderá ser economicamente e politicamente destabilizador. Mas será difícil para os decisores políticos desacelerar isso – nomeadamente por razões culturais e religiosas e porque mesmo que a alta fertilidade seja má para a região, as famílias individuais têm todo o incentivo económico para ter muitos filhos.
9. Este é o gráfico mais importante nesta página
O “rácio de dependência” é a proporção de pessoas menores de 15 anos ou com mais de 64 anos em relação às pessoas com idade entre os 15 e os 64 anos. A ideia é que as pessoas que são muito novas ou mais velhas são dependentes de outras pessoas. Se o “rácio de dependência” for de 40% tal significa que há 40 crianças ou idosos por cada 100 indivíduos em idade ativa. Outra forma de o colocar será que 40 em cada 140 indivíduos é uma criança ou idoso. Quanto maior for este índice mais pessoas dependem do governo e maior será a carga sobre a sociedade para os apoiar.
Neste momento, o rácio de dependência em África é elevado. Realmente elevado: cerca de 80%. Isto significa que apenas 56% dos africanos estão em idade ativa. Trata-se de um enorme fardo para a sociedade e um grande contributo para a pobreza. E a maioria desses “dependentes pela idade” são muito novos. (Se você alguma vez se perguntou sobre a proliferação de crianças soldado em África, isto é parte da razão: não existem suficientes homens com 20 e poucos anos mas há muitas crianças). Mas à medida que a taxa de natalidade diminui e os jovens dependentes passam a pertencer à força de trabalho – a taxa de dependência irá diminuir, caindo para 60% em 2055.
É bastante. Aumenta a proporção de população que pode contribuir e reduz a parcela que utiliza recursos sem contribuir. O outro lado, porém, passa pelo facto de que ter uma grande quantidade de população jovem – especialmente de jovens homens – poderá agravar qualquer instabilidade política e criar instabilidade se os recursos forem escassos. Veja, por exemplo, o mundo árabe de hoje: onde o aumento de jovens contribuiu para os protestos que se tornaram revoluções em alguns casos e guerras civis noutros. É arriscado.
Enquanto isso, o resto do mundo irá ver a tendência oposta e isso são más notícias. Como as taxas de natalidade irão diminuir, as pessoas de idade e a esperança de vida aumentam, iremos ver rácios de dependências não apenas a aumentar por todo o mundo desenvolvido, exceto para África, mas por todo o mundo.
A Europa terá o pior rácio de dependência – a aproximar-se do estilo africano de 76% em 2055. Uma geração mais tarde, prevê-se que a América do Sul atinja uns muito preocupantes 82% em 2100. A Ásia tem algumas décadas para se preparar: o seu rácio de dependência, atualmente baixo, permanecerá baixo até começar a aumentar perto de 2050.
E esta é a história do futuro demográfico do mundo, nove décadas de aumentos e quedas populacionais que terão consequências políticas e económicas imprevisíveis mas certamente transformadoras. Estes números não são o destino, é claro, e muitas pessoas estão já a tentar mudá-los: economistas do desenvolvimento alertam que a África não está preparada para o crescimento que aí vem, os líderes europeus tentam estimular o crescimento da população, as autoridades chinesas poderão alterar a política de um só filho, entre outros. Mas é esta a direção que os dados apontam hoje. Aconteça o que acontecer, deverá ser um século considerável.