O fim da parceria franco-alemã?
REUTERS/Hannibal Hanshke
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Perceba como a crise grega poderá abrir fissuras irreparáveis na parceria que tem servido de base à União Europeia.

A integração europeia é um jogo que envolve até 28 jogadores e no final quem ganha são a França e a Alemanha. Tem sido assim desde há aproximadamente 70 anos e assim foi mais uma vez em Bruxelas na segunda-feira passada, com Angela Merkel e o François Hollande a definirem os termos de um acordo que foi subsequentemente abençoado por todos os outros. Tal acontecimento pode ter sido uma surpresa para todos, tendo em conta as enormes diferenças entre as posições dos dois países. O sistema franco-alemão estava a ser testado até ao limite.

O segredo muitas vezes esquecido é que a França e a Alemanha são quem domina não por estarem de acordo um com o outro, mas precisamente por não estarem: De Gaulle queria uma Europa formada por Estados-nação enquanto Adenauer era um federalista autoproclamado, e há alguns dias atrás Berlim estava a considerar ativamente a “Grexit” enquanto Paris fazia todos os esforços para manter a Grécia na moeda única. Uma vez que os dois países normalmente representam os polos opostos nas principais reuniões da EU, quando chegam a um acordo é geralmente aceite por todos, exceto o Reino Unido. Isto não quer dizer que o equilíbrio entre o par permaneça inalterado. Durante o período da Guerra Fria, uma Alemanha estrategicamente dependente cedeu o papel central à França. Hoje em dia, a liderança da Alemanha em questões como o caso da Ucrânia só é aceite graças à assistência dada pela França. De um modo semelhante, o acordo estabelecido em Bruxelas com a Grécia tem o selo “sem-perdão-de-dívida” tão apreciado pela Alemanha.

Na segunda-feira passada, a França, juntamente com outros dois países, eram os únicos de 18 que queriam assinar um novo acordo de resgate com a Grécia (sendo os outros dois países a Itália e o Chipre). No entanto, foram a França e a Alemanha que tomaram a decisão final. A Alemanha manteve a opção de reestruturação da dívida fora da mesa de negociações. A França também conseguiu o que queria: não houve “Grexit” nenhuma. A posição de Hollande foi recebida com grandes elogios quando regressou de Bruxelas.

Parece que a velha parelha ainda consegue fazer alguma da sua magia em conjunto. O facto de Merkel e Hollande partilharem alguns traços característicos também poderá ter ajudado: calmos e reservados, ambos são defensores natos da ideia do compromisso, algo muito importante para a construção da coligação alemã e para a arte da síntese do Partido Socialista.

O fim da amizade

Contudo, este pode ser um último lance, pois as linhas de fratura que abriram na semana passada aprofundaram e aumentaram. Ao contemplar abertamente a secessão forçada da Grécia, a Alemanha demonstrou que a economia prevalece sobre as considerações políticas e estratégicas. A França, por seu lado, vê a ordem dos fatores de um modo diferente, tal como ficou claro na proposta dada por Hollande no dia 14 de julho de tornar a zona euro uma instituição politicamente responsável com o seu próprio parlamento e orçamento. Tal podia ser mesmo assim evitado caso o novo esquema de resgate tivesse sido bem-sucedido.

Infelizmente, ao evitar o que abominavam – o perdão da dívida – os alemães podem ter feito o feitiço virar-se contra o feiticeiro. Acrescentar mil milhões à dívida grega, impor cortes pró-cíclicos nas pensões, aumentar os impostos enquanto o país se encontra a meio de uma nova recessão e promover um programa de privatização de 50 mil milhões de euros tal como tinha feito em 2011 é mais que certo que se não resultou na altura, agora ainda vai resultar menos. Agora chegou ao estado formal do plano B, ou seja, é provável que a “Grexit” volte. Se isso acontecer, a França terá de enfrentar a escolha impossível: alinhar com a ideia da Alemanha da saída da Grécia como seu subordinado, ou travar uma batalha que não consegue vencer para impedir que um país seja forçado a sair da família europeia.

Até mesmo uma cogestão franco-alemã pode não estar à altura para realizar um compromisso aplicável. A mudança ocorrida nos bastidores é que o vínculo Paris-Berlim não pode mais ser encorajado pelo projeto partilhado de integração europeia: a rejeição por parte da França da Constituição Europeia proposta em 2005 foi o ponto de viragem. A relação tornou-se então utilitarista e como resultado disso, os dias de uma Europa cada vez mais próxima podem estar a chegar ao fim.

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