O economista Max Roser analisa os dados relevantes para nos fornecer um retrato da evolução da pobreza à escala mundial.
No passado apenas uma pequena elite viveu uma vida sem pobreza. Desde o início da industrialização – e como consequência da mesma, do crescimento económico1 – a proporção de população a viver na pobreza começou a diminuir e manteve-se assim desde então. No entanto, como consequência da queda da pobreza, a saúde da população melhorou dramaticamente ao longo dos dois últimos séculos e a população começou a aumentar2. O aumento da mesma causou com que o número absoluto de população a viver em situação de pobreza no mundo aumentasse; apenas recentemente o número absoluto de população a viver em situação de pobreza começou a diminuir também.
Estes dados narram a diminuição da pobreza ao longo dos últimos séculos.
O que é que os indivíduos pobres pensam sobre a pobreza?
Quase todos os indivíduos nos tempos pré-modernos viviam na pobreza. Isso mudou dramaticamente ao longo das últimas décadas: cada vez mais indivíduos têm deixado a pobreza extrema do passado para trás. Mas porque é que nos devemos preocupar? Será que os indivíduos em situação de pobreza não têm apenas menos dinheiro mas desfrutam das suas vidas tanto – ou até mais – como os indivíduos ricos?
Uma forma de o descobrir passa por simplesmente perguntar – e foi o que a Organização Gallup fez. Na sua World Poll a organização perguntou a indivíduos de todo o mundo o que pensam sobre o seu padrão de vida – e não apenas relativamente aos seus rendimentos. O economista Angus Deaton comparou as respostas que indivíduos de diferentes sociedades deram com o rendimento médio dessas mesmas sociedades. Esta pesquisa está resumida no gráfico seguinte: mostra que os indivíduos que vivem na pobreza estão claramente menos satisfeitas com os seus padrões de vida num sentido amplo.
Esta é uma forma de ver que a prosperidade económica não se trata de um fim em si mesmo mas de um meio para uma vida melhor. A correlação entre o aumento de rendimentos, felicidade e maior satisfação com a vida é demonstrada na Our World in Data sobre Felicidade aqui.
As linhas da pobreza
A forma mais simples de medir a pobreza passa por calcular a percentagem de população a viver abaixo de determinado limiar de pobreza como fração do número total de população da sociedade. Contudo, desenhar a linha entre os mais pobres e o resto não é fácil. Se olhar para o gráfico anterior será fácil perceber porquê. Seria fácil se houvesse uma clara delineação entre indivíduos satisfeitos com o seu nível de vida e indivíduos insatisfeitos. Não se trata do caso. Vemos, ao contrário, que ter maior rendimento melhora sempre o auto-percebido padrão de vida dos indivíduos.
O facto de que um rendimento mais alto melhora os padrões de vida significa que definir a pobreza ao desenhar uma linha será sempre justamente sujeito a debate. É controverso propor uma linha que separa aqueles que são pobres daqueles que “meramente” têm um rendimento baixo.
O Banco Mundial, que reúne dados do rendimento da população de todo o mundo, definiu pobreza absoluta como o viver com menos de 1.25 dólares por dia. É medido em dólares internacionais que são ajustados ao facto de os indivíduos em diferentes países encararem diferentes níveis de preços (ajuste em termos de PPC – Paridade do Poder de Compra). É também expresso em termos reais para se ajustar às mudanças de preços ao longo do tempo.
200 Anos a retirar o mundo da pobreza
O Banco Mundial tem publicado dados sobre a pobreza absoluta desde 1981 em diante mas os investigadores tentaram reconstruir informação acerca dos níveis de vida de um passado mais distante. O documento mais citado foi escrito por Bourguignon e Morrison (para a referência veja a próxima nota de rodapé) no qual os dois autores reconstruíram medidas de pobreza de um período tão longe como 1820. O limiar de pobreza de 1.25 dólares internacionais por dia foi introduzido em 2008 e o paper de 2002 utilizou a medida de 1 dólar por dia, utilizada nessa altura. Toda esta informação está apresentada no gráfico que se segue. A revisão, para cima, do limiar de pobreza significa que foram considerados mais indivíduos como sendo pobres do que antes.
Em 1820 a grande maioria da população vivia em pobreza extrema e somente uma pequena elite desfrutava de padrões de vida mais elevados. O crescimento económico ao longo dos últimos 200 anos transformou completamente o nosso mundo e a pobreza diminuiu, continuamente, ao longo dos dois últimos séculos. Isto é ainda mais notável quando consideramos que a população aumentou sete vezes ao longo do mesmo período (que, por si só, é uma consequência do aumento do nível de vida e da diminuição da mortalidade – especialmente de bebés e crianças – por todo o mundo).
Num mundo sem crescimento económico um aumento na população resultaria em cada vez menos rendimento para toda a gente – e um crescimento vezes sete resultaria certamente num mundo onde toda a gente seria extremamente pobre. No entanto, aconteceu o oposto.
Numa altura de crescimento populacional sem precedentes fomos capazes de tirar mais e mais pessoas da pobreza! Mesmo em 1981 mais de 50% da população vivia em pobreza absoluta – o que se aplica agora a cerca de 14%. É ainda um grande número mas a mudança está a dar-se incrivelmente depressa. Para o nosso mundo atual os dados dizem que a pobreza está agora a descer mais rapidamente do que nunca na história mundial. O primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio estabelecidos pelas Nações Unidas passava por reduzir para metade a população a viver em pobreza absoluta entre 1990 e 2015. O rápido crescimento económico conduziu a que este objetivo – sem dúvida o mais importante – fosse alcançado em 2010 (cinco anos antes).
Libertarmo-nos da pobreza através do crescimento económico
Em 1820 apenas alguns lugares do mundo alcançavam crescimento económico – e apenas numa pequena medida. O progresso dos últimos 200 anos foi alcançado na medida em que o crescimento económico trouxe maiores rendimentos a mais e mais indivíduos no mundo. O próximo gráfico mostra a relação entre o rendimento médio e a percentagem de população que vive em pobreza absoluta. A correlação sugere que numa sociedade com um rendimento médio em torno de 10.000 dólares internacionais a pobreza absoluta é abolida.
A imagem estática do gráfico da Gapminder, acima, mostra a evidência de corte transversal da ligação entre a prosperidade económica e a pobreza. No gráfico que se segue observamos esta relação, ao longo do tempo, no Brasil. O país, com uma população de quase 200 milhões, alcançou uma taxa de crescimento anual média de 1.7% ao longo de 20 anos. O crescimento económico juntamente com a expansão do esforço do governo em termos de redistribuição junto da população mais pobre do país levou o Brasil a reduzir para metade a proporção de indivíduos a viver em pobreza absoluta ao longo deste curto período de tempo. À semelhança de outros países em industrialização, tal reduziu a desigualdade de rendimento (medida com o coeficiente de Gini) durante este período.
Para além do rendimento – a pobreza noutras dimensões
Até agora só considerámos a pobreza em termos de baixa produtividade e baixo rendimento. Há uma boa razão para encarar estas medidas como extremamente importantes (o primeiro gráfico mostra a importância das mesmas para os indivíduos em situação de pobreza). No entanto, o rendimento é um meio para um fim e não um fim em si mesmo. Outras medidas da pobreza consideram os fins em si mesmos e estudam o progresso em termos de extensão da educação, melhoria da saúde e do bem-estar psicológico, direitos humanos e violência. Estas medidas não olham apenas para o trabalho como fonte de rendimento mas também para a segurança e qualidade do trabalho em si.
A pobreza por regiões – em números absolutos
Já vimos que por volta de 1820 a maioria dos nossos antepassados vivia em pobreza extrema. A pobreza nessa época e nos milénios anteriores era igualmente prevalente em todas as partes do mundo. O crescimento económico começou, aí, a conduzir os primeiros países industrializados para fora da pobreza e a pobreza absoluta desapareceu nos mesmos. Penso ser importante notar o quão recente se trata este desenvolvimento mesmo nos países mais ricos do mundo. A desigualdade é muitas vezes consequência de progresso desigual. A pobreza é um bom exemplo disso. O precoce progresso em alguns países e a estagnação noutros significou que a pobreza diminuiu bastante em alguns países e se encontrava ainda generalizada noutros. Com a industrialização e o crescimento económico em cada vez mais regiões do mundo os padrões de vida aumentaram nestes países. A pobreza permanece nas regiões onde o crescimento económico acumulado é ainda pequeno e a industrialização ainda se encontra em fases iniciais.
A recente diminuição da pobreza é mostrada no gráfico seguinte. O gráfico mostra agora o número absoluto de população em situação de pobreza. É possível observar que as Américas e a Europa deixaram a pobreza para trás antes de 1981. Ao longo dos últimos trinta anos uma grande parte da Ásia Oriental e do Pacífico alcançaram um rápido crescimento económico e isso significa que a pobreza tem diminuído rapidamente nessa região.
No gráfico seguinte é possível estudar a diminuição da percentagem de população em situação de pobreza por continente. Provavelmente o resultado mais marcante será a redução da pobreza na Ásia Oriental e no Pacífico. A redução de 77% para 12% é especialmente importante considerando que se trata de uma parte muito populosa do mundo.
A palavra pobreza é utilizada com dois sentidos distintos na pesquisa social. Não perceber a diferença poderá causar confusão ao comparar a pobreza ao longo do tempo e entre países. A pobreza absoluta é medida relativamente a um padrão de vida fixo, consistente ao longo do tempo e entre países. A pobreza relativa, por outro lado, é medida relativamente aos padrões de vida em determinada sociedade particular e varia ao longo do tempo e entre sociedades à medida que os padrões de vida também mudam. Aqui comparo a pobreza no mundo ao longo do tempo – logo estou a considerar a pobreza absoluta.