O recente influxo de refugiados está a originar uma série de inesperadas oportunidades de negócio. Saiba quais.
O relatório anual de 2013 de uma private equity multimilionária de Londres – que inclui uma pastelaria francesa e um sapateiro holandês entre as suas participações – apresentou uma nova oportunidade com “promissor potencial de crescimento orgânico e aquisitivo.”
O investimento é referente à gestão de campos de refugiados.
“As margens são muito baixas.” – avançou Willy Koch, fundador já reformado da ORS Service AG, empresa suíça que gere um campo de refugiados na Áustria, campo que transbordou este verão com migrantes que surgiram dos Balcãs e Hungria.
“Uma das chaves é, certamente, o volume.”
Desde o início de 2014 mais de um milhão de indivíduos requereram asilo na União Europeia. A Alemanha prepara-se para receber pelo menos 800.000 requerentes de asilo este ano. Segundo os peritos este aumento eleva-se ao maior movimento de pessoas na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Esta crise tem produzido contos angustiantes de mortes trágicas e de vidas em convulsão – e está também a dar forma a uma indústria com que todos – desde pequenos comerciantes gregos a alguns dos maiores fundos de pensões dos EUA – estão a beneficiar: o negócio da migração.
Em muitos aspetos as empresas privadas estão cada vez mais a definir a experiência de migração europeia. Em alguns casos as empresas veem potencial de saírem favorecidas com o futuro grupo de consumidores europeus, uma reviravolta bem-vinda no meio da crise económica do continente. Noutros casos, estão a intervir para ajudar a fornecer serviços que os governos não podem garantir. Por vezes têm provocado protestos por parte de grupos de advocacia que as acusam de lucrar com a miséria humana.
Algumas das empresas, por sua vez, dizem serem sensíveis aos riscos de trabalhar com indivíduos em situação vulnerável e argumentam que nem os governos nem as instituições de caridade conseguem responder, por conta própria, à grande procura resultante da maré de migrantes que chega à Europa.
Guy Semmens, sócio da Argos Soditic, empresa de private equity baseada em Geneva e que anteriormente investiu na ORS, diz:
“Devido ao nosso envolvimento o serviço decorre de forma mais eficiente.”
Há lucro a ser gerado. Na Alemanha, a Air Berlin PLC recebeu cerca de 350.000 dólares, no ano passado, para operar voos charter para deportar, em nome do governo, requerentes de asilo cujo pedido foi rejeitado. Na Suécia, no ano passado, o governo pagou 900.000 dólares a uma empresa de análise de linguagem para verificar de onde eram os requerentes de asilo. Em Atenas, uma filial da Western Union tem vindo a desembolsar 20.000 euros por dia a migrantes, recebendo taxas sobre cada transação.
“Estou a fazer pelo menos o dobro do lucro que estava a fazer no ano passado.” – Avançou Mohammed Jafar, o proprietário da filial, nascido no Afeganistão.
Acrescenta: “Não faria isso em qualquer outro pais da Europa.”
Um quiosque que oferece/vende comida fora de um campo de refugiados em Lesbos, na Grécia
O negócio de venda a migrantes a chegar à Europa começa nas ilhas gregas do mar Egeu oriental, num canto do continente, que viram cerca de 290.000 indivíduos chegar de barco este ano – até agora. Cerca de 70% dos mesmos são sírios, geralmente oriundos de famílias de classe média e com dinheiro para gastar na viagem.
De turistas para tendas
Para as empresas nas ilhas que foram prejudicadas com os problemas económicos do país e com a escassez de turistas gregos os migrantes são uma visão bem-vinda. As lojas que se costumavam focar nos turistas agora oferecem tendas, sacos-cama e comida aos migrantes que chegam da Turquia em barcos de borracha na esperança de alcançar o norte da Europa.
Desde a primavera que centenas de migrantes chegam diariamente à ilha grega de Lesbos, tendo feito a breve viagem marítima desde a Turquia. Este verão, Michalis Michalakellis, dono de uma loja de souvenir perto do porto, começou a apurar o que estariam interessados em comprar. A resposta: pão, carne e feijão enlatado. Michalakellis encontrou um fornecedor em Atenas que passou a enviar-lhe o que precisava.
“Cerca de 200 pessoas vêm e compram alguma coisa todos os dias.” – disse Michalakellis relativamente aos migrantes que chegam. “É um bom dinheiro.”
Noutros lugares, a grave falta de abrigo para os migrantes – o governo grego tem-se esforçado para colocar em prática um amplo sistema de receção – tem provocado a procura de tendas, sacos-cama e até mesmo hotéis.
Alguns sírios estão hospedados no Lesvion Hotel – hotel de três estrelas situado numa marina perto do porto de Lesbos – enquanto aguardam que burocratas locais tratem da papelada que lhes permita alcançar o continente e, em último lugar, o norte da Europa. Giannis Ververis, rececionista do hotel, avançou que muitos hóspedes sírios não só pagam pelos seus quartos na totalidade como adquirem extras como o pequeno almoço.
“Nem sequer temos que lhe fazer um desconto”. – Avançou. “Nem sequer pedem.” Após o verão, quando terminar a procura por parte de turistas, o hotel poderá considerar oferecer descontos aos migrantes para atrair mais, particularmente aqueles com menos dinheiro para gastar.
A oportunidade está a provocar concorrência entre algumas empresas. Empresas de telecomunicações começaram a vender cartões SIM europeus a migrantes para que os mesmos possam ligar a membros da família nos seus países ou contactar contrabandistas para obterem apoio com o resto da viagem. No mês passado, a Cosmorte, operadora de telecomunicações grega, enviou vendedores para os portos e centros de receção a migrantes para vender cartões SIM especialmente criados para migrantes a 12 euros. Dias depois, o Vodafone Group PLC, o gigante das telecomunicações britânico, respondeu com uma oferta especial de cartão SIM a 10 euros e com 50% de desconto nos bilhetes de ferry para Atenas, a paragem seguinte para a maioria dos migrantes.
Um porta-voz da Vodafone disse que a oferta não faz parte dos pacotes padrão da empresa para a Grécia. Acrescentou que é provável que seja iniciativa de um revendedor local. A Cosmote não respondeu a um pedido de comentários.
Outras empresas estão atentas ao potencial a longo prazo de um grande novo grupo de clientes. O Extrabanca, um banco italiano para não-europeus, tem vindo a crescer com a população estrangeira em Itália – que aumentou de 2% da população total em 2001 para quase 9% nos dias de hoje.
Quando o CEO Ramzi Hijazi assumiu o comando no final do ano passado viu a oportunidade de expandir a base de clientes, 40% composta por chineses e filipinos – sendo que a grande maioria dos cerca de 500.000 migrantes que chegaram a Itália por via marítima nos últimos anos são oriundos de países de África ou do Médio Oriente. Nesse sentido, o banco está a trabalhar em novos serviços de consultoria destinados a requerentes de asilo, incluindo assistência com a burocracia italiana. No longo prazo, assim que os migrantes alcancem um estatuto permanente, Hijazi visiona oferecer-lhes ajuda com tudo, nomeadamente com empréstimos para apoiar o repatriamento de falecidos para os seus países de origem.
A onda de empresas que procuram vender a migrantes está a gerar algum atrito, com as tensões a aumentar juntamente com o número de pessoas que procuram comida, água e abrigo.
O caso da ORS Service, a empresa suíça que gere centros de acolhimento a migrantes, ilustra as complexidades inerentes à intervenção do setor privado no fornecimento de serviços críticos a uma população vulnerável em rápida expansão.
No início dos anos 90, Koch, executivo com emprego temporário, encontrou uma oportunidade: a alocação de pessoal num abrigo para requerentes de asilo perto de Basileia, cidade suíça.
Os clientes – governos – eram pagadores confiáveis e a fonte de procura – conflito global – não mostrava qualquer sinal de vir a estancar. Construiu uma empresa, a ORS Service, e ganhou contratos contra rivais como a Cruz Vermelha e instituições de caridade cristãs, prometendo trabalhar de forma mais eficiente e sem a tomada de posições políticas.
Koch reformou-se em 2005. Desde aí a empresa foi vendida três vezes a diferentes grupos de private equity. O primeiro proprietário foi a Argos Soditic, que a vendeu em 2009 à Zug, Invision Private Equity AG baseada na Suíça, a um preço na casa das dezenas de milhões de francos suíços, com a Argos Soditic a receber mais de três vezes do montante investido – de acordo com um indivíduo familiarizado com a situação.
“É um excelente negócio.” – Afirmou Semmens, chefe de operações da Argos Soditic na Suíça. “É uma empresa de logística, atendimento e hotelaria que atende refugiados.”
A Equistone Partners Europe Ltd., empresa de private equity baseada em Londres – que anunciou a oportunidade no seu relatório anual – comprou a empresa por uma quantia não revelada em 2013. A empresa reuniu cerca de 4 mil milhões de dólares para a aquisição de dois fundos desde que ficou de fora do Barclaysem 2011. Encontram-se entre os investidores da Equistone o California State Teacher’s Retirement System e o Maryland State Retirement and Pension System – fundos de pensões públicos dos EUA – e a General Organization for Social Insurance da Arábia Saudita.
Os governos europeus têm vindo a contratar, cada vez mais, a tarefa de cuidar de migrantes: desde a conversão de edifícios em abrigos à organização de serviços linguísticos e de apoio psicológico para apoiar a integração dos mesmos.
A reivindicação de eficiência
A ORS expandiu-se da Suíça para a Austria e Alemanha, competindo com as organizações sem fins lucrativos que tradicionalmente se ocupavam dos migrantes na Europa. A empresa registou uma receita de 99 milhões de dólares no ano passado, de acordo com o CEO Stefan Moll-Thissen, que não quis revelar os seus lucros. Obteve cerca de 33 milhões de dólares de receita em 2007.
A empresa oferece agora uma gama de serviços relacionados com os refugiados, desde a criação de abrigos ao fornecimento de alimentos e à gestão de campos. Na Áustria, em 2011, a empresa ganhou o direito de gerir todos os abrigos de requerentes de asilo do governo federal. O governo, a tentar lidar com os mais de 65.000 requerentes de asilo que recebeu desde janeiro de 2014, pagou à ORS cerca de 24 milhões de dólares no ano passado para a gestão dos campos que abrigam os refugiados.
As obrigações contratuais da ORS incluem a oferta de aulas de alemão, o fornecimento de proteção especial a menores e o ensino dos valores austríacos como “a importância da pontualidade e da confiança.” O governo paga à ORS uma taxa definida por cada campo que é gerido mais um valor adicional por cada requerente de asilo albergado. (Não são divulgados os números).
O principal concorrente da ORS são as entidades sem fins lucrativos como a Cruz Vermelha suíça, a Caritas e a Diakonie (instituição de caridade protestante) que também lutam por contratos com o governo para a prestação de serviços de acolhimento a migrantes.
Atuais e antigos executivos da ORS afirmam que dada a intensa pressão para lidar com o enorme aumento de procura a ORS encontra-se melhor equipada para fazer um melhor trabalho a um preço melhor. Moll-Thissen afirmou que a despesa geral da empresa é mínima, com os colaboradores nos abrigos a representar 85% da força de trabalho da empresa. A empresa também desenvolveu programas de computador para rastrear os residentes e serviços em cada campo.
“As instituições de caridade não têm qualquer hipótese” de competir com a ORS, avançou Hugo Köppel que dirige os serviços de refugiados na Cruz Vermelha suíça. “Conhecemos os refugiados de A a Z. Os nossos principais clientes são as pessoas de quem cuidamos, não a entidade contratante.”
Um porta-voz da Caritas na Suíça recusou-se a comentar.
Requerentes de asilo no centro de acolhimento em Traiskirchen, na Áustria
Moll-Thissen negou a politica de poupança argumentando que a motivação do lucro tornou a sua empresa mais simples e eficaz.
A noção de que as empresas privadas conseguem fazer um melhor trabalho na receção a migrantes do que as entidades sem fins lucrativos está a ser posta à prova. A ORS encontra-se sob fogo em particular no referente às condições de um campo nas terras de uma antiga escola militar em Traiskirchen, subúrbio de Viena.
Os edifícios da escola centenária estão preparados com camas para abrigar 1.800 indivíduos. No entanto, ao longo deste ano, o campo tornou-se num dos maiores da Europa com 4.500 residentes a dada altura nos últimos meses. Milhares de pessoas foram forçadas a dormir na rua, muitas vezes sob arbustos ou árvores.
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados descreveu as condições do campo como “abaixo da dignidade humana”. A Amnistia Internacional, grupo de advocacia, identificou a falta de assistência médica e de apoio psicológico e descreveu a gestão do campo como de uma “ignorância flagrante e total leviandade”.
“O resultado não é apenas mau, é completamente inaceitável.” – Afirmou no mês passado Heinz Patzelt, diretor da Amnistia Internacional na Áustria, descrevendo o campo com extrema falta de pessoal – e com o pessoal existente aquém da altura da tarefa.
“Não se trata de uma questão de recursos – é uma questão de organização.”
Moll-Thissen afirmou que a ORS está a fazer tudo o que pode para melhorar as condições no campo de Traiskirchen – o que considerou uma tarefa difícil tendo em conta o repentino e amplo aumento de pessoas no mesmo. Acrescentou que no espaço de poucos meses tanto a empresa como a empresa subcontratada para serviços de segurança aumentaram o pessoal em 50%.
Em Traiskirchen “qualquer profissional será levado aos limites do possível.” – Afirmou. “A equipa faz o seu melhor e em condições extremamente difíceis.”
Um porta-voz do Ministério do Interior austríaco disse que o governo se encontra satisfeito com o trabalho da empresa e continuará a honrar o contrato.
A Amnistia e as Nações Unidas disseram na sexta-feira que as condições em Traiskirchen melhoraram significativamente nas últimas semanas, com a contínua abundância de migrantes a serem alojados em tendas em vez de serem forçados a dormir fora.
Com o fluxo de refugiados na Europa a aumentar Moll-Thissen afirmou que a prioridade da sua empresa passa por atender à procura dos clientes existentes e que precisam urgentemente de abrigo para mais pessoas. Disse, no entanto, que vê oportunidade para expansão, como exemplificado por um distrito rural no sudoeste da Alemanha que contratou recentemente a empresa para a criação de um abrigo para 500 pessoas utilizando contentores como casas.
“Estamos atualmente a ser contactados por diversas partes com a pergunta: ‘Conseguem fazer isto? Estão interessados em fazer aquilo?’” – Avançou Moll-Thissen, referindo-se a autoridades que têm convidado a ORS a apresentar novas propostas.