Como é Elon Musk como patrão
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Dolly Singh, antiga funcionária da SpaceX, revela a faceta de patrão do CEO da Tesla e da SpaceX.

Depois de trabalhar para Elon durante cerca de cinco anos na SpaceX, como diretor de aquisição de talentos, são diversas as respostas possíveis para esta questão. Qualquer resposta que eu possa dar será totalmente influenciada pelas minhas próprias experiências e por isso, em jeito de termo de responsabilidade, previno que esta não é uma peça imparcial e livre de narrativa pessoal.

Diz-se que não podemos sonhar uma personagem para nós próprios: devemos criar uma. Se algum líder e empresa o fez, e continua a fazê-lo, é a SpaceX. Para tentar explicar por palavras o que é trabalhar com Elon gostaria de partilhar algumas memórias específicas, particularmente de um dia muito duro e do resultado épico do mesmo.

A 2 de agosto de 2008, oito meses depois de ter entrado para a empresa, a SpaceX lançou o terceiro voo do veículo de lançamento Falcon 1. O Falcon 1 foi o antecessor dos veículos de lançamento Falcon 9 que a empresa utiliza hoje.

Falcon 1

Foi um momento de definição para a empresa. Elon tinha afirmado à imprensa, um par de anos antes, que o seu investimento pessoal na empresa – de 100 milhões de dólares – permitiria até três tentativas e que se não conseguíssemos ser bem sucedidos ao terceiro voo poderíamos ter que admitir a derrota. Além da pressão criada por esta afirmação na imprensa, os exércitos de lobby dos nossos concorrentes (as maiores e mais poderosas empresas de produção de material e prestação de serviços de defesa nacional do mundo) tinham estado em Washington DC a tentar prejudicar a nossa credibilidade, apresentando-nos como demasiado arriscados e inexperientes a fim de protegerem os seus interesses de vários milhões de dólares na área do lançamento espacial.

A SpaceX executou um voo perfeito na primeira fase (parte do voo que leva o veículo para longe da gravidade da Terra e onde o mesmo experiencia o máximo de pressão dinâmica, ou basicamente onde as condições para o veículo são fisicamente mais severas) garantindo sucesso em alguns dos pontos de maior risco da missão.

No entanto, pouco tempo depois da primeira fase de voo, imediatamente a seguir à fase de separação (quando a primeira parte do veículo se desprende da segunda parte do veículo – que por sua vez continua a sua viagem no espaço) perdemos o veículo e a missão.

O Vice Presidente do Desenvolvimento de Propulsão na SpaceX, Tom Mueller, padrinho da ciência de foguetes dos tempos modernos e uma das mentes científicas mais brilhantes do planeta, tinha feito um excelente trabalho – juntamente com a sua equipa – a redesenhar os sistemas de motores dos veículos ao ponto dos mesmos serem ainda mais eficientes e poderosos do que o projetado.

Desligámos o motor da primeira fase e procedemos à separação das partes do veículo. No entanto, quando desacoplados, verificou-se que ainda havia uma pequena “parte” de sobra no motor da primeira parte – então a nossa primeira parte literalmente acabou com a nossa segunda parte imediatamente depois de termos tentado separar as duas secções do veículo. Foi uma experiência devastadora e com forte carga emocional.

Fiquei por lá com os cerca de 350 ou mais colaboradores, a torcemos na descolada do veículo – e quando olhámos para o relógio da missão, sabendo que as partes se estavam quase a separar, foi cortada a transmissão do vídeo. A empresa tem 20 segundos de atraso na transmissão, relativamente à equipa que controla a missão, considerando que a projeção também é apresentada à imprensa externa. O atraso justifica-se em situações em que se verifiquem grandes anomalias da missão. Assim, quando perdemos o vídeo, soubemos que algo tinha corrido bastante mal.

Elon e cerca de sete ou oito dos técnicos sénior da SpaceX estavam a comandar a missão a partir de um reboque na parte de trás da fábrica de Hawthorne – e todos esperámos ansiosamente que a porta do mesmo se abrisse e que alguém nos fosse dizer algo. O clima no edifício era de desespero: é importante relembrar que naquela altura a SpaceX tinha seis anos e muitos dos colaboradores tinham estado a trabalhar 70-80 ou mais horas por semana, a nadar contra correntes extremamente poderosas – barreiras difíceis ao nível tecnológico, institucional, político e financeiro – com a força do seu sangue e suor.

Tinham todos dado muito – estavam mentalmente e fisicamente exaustos e precisavam de uma vitória a fim de reporem o seu bem-estar espiritual e terem fé para continuar a seguir aquele homem por uma montanha traiçoeira – montanha essa que já tinha esgotado as esperanças e os recursos de muitos outros que tinham tentado conquistá-la.

Esta noite iria ter impacto no futuro da empresa para sempre, com a capacidade para a deixar numa espiral descendente, da qual poderíamos nunca recuperar. Uma falha na liderança ter-nos-ia destruído não apenas aos olhos da imprensa e potenciais consumidores mas também internamente.

Quando Elon saiu, passou pela imprensa e dirigiu-se à empresa. Não me recordo das palavras exatas de como começou mas a essência dos seus comentários foi a seguinte:

  • Que sabíamos que ia ser difícil por isto estar à frente de toda a ciência de foguetes – e de seguida listou a meia dúzia ou assim de países que falhou na execução bem sucedida da primeira parte do voo (chegada ao espaço) uma façanha que tínhamos realizado com sucesso naquele dia.
  • Elon tinha-se (na sua infinita sabedoria) preparado para a possibilidade de algum problema com o voo assumindo um investimento significativo (da Draper Fisher Jurvetson se me lembro bem) e fornecendo amplos recursos financeiros à SpaceX para tentar mais dois lançamentos – dando-nos segurança para tentarmos pelo menos até ao voo cinco, se necessário.
  • Que precisávamos de nos levantar pois tínhamos muito trabalho para fazer. E então disse, com toda a força que conseguiu depois de ter estado acordado por mais de 20 horas: “Da minha parte nunca irei desistir e com nunca quero mesmo dizer nunca” e que se ficássemos com ele iríamos vencer.

Acho que a maioria de nós o teria seguido até às portas do inferno até nos queimarmos. Foi a mais impressionante exibição de liderança que alguma vez presenciei. Em poucos instantes a energia do edifício foi do desespero e derrota para um massivo zumbido de determinação, com todos a começarem a focar-se em seguir em frente em vez de olhar para trás. Esta mudança deu-se coletivamente, por todas as três centenas de pessoas e em menos de cinco segundos. Quem me dera ter imagens de vídeo pois gostaria de analisar a mudança, em termos de linguagem corporal, que ocorreu durante esses cinco segundos. Foi uma experiência incrivelmente poderosa.

O que se passou nos dias e semanas após essa noite foi nada menos do que uma série de milagres:

  • Dentro de poucas horas a equipa da SpaceX identificou a provável causa da falha no lançamento. Normalmente, o tempo de resposta de outros no ramo do lançamento pode variar de semanas a meses para investigações falhadas. A nossa equipa vasculhou todos os dados para se certificar de que percebíamos exatamente o que tinha corrido mal o mais rapidamente possível.
  • A 6 de agosto anunciámos os resultados da nossa investigação e fomos 100% claros com os nossos apoiantes e comunidade de clientes para garantirmos que conseguíamos manter a sua confiança naquele momento difícil. (Space Exploration Technologies Corporation).
  • Em sete semanas tínhamos outro foguete totalmente fabricado, integrado e pronto para voar de novo. Mais ninguém teria conseguido fazê-lo em menos de seis meses com recursos humanos e financeiros ilimitados; a SpaceX fê-lo em seis semanas, com menos de quatro centenas de pessoas e numa dieta financeira limitada.
  • A 28 de setembro de 2008 a SpaceX lançou o seu Falcon 1 a partir de Kwajalein Atoll no Pacífico Sul e executou o seu primeiro lançamento 100% bem sucedido – tornando-se no primeiro foguete do mundo, construído a nível privado, a atingir a órbita terrestre. Uma realização de proporções verdadeiramente épicas e uma tarefa previamente concluída por apenas seis das nações mais poderosas na história do mundo. Uma muito necessária e merecida vitória para toda a equipa da SpaceX e que irá revelar-se o futuro da humanidade em geral.

Assim, para aqueles que perguntam, isto é, na minha opinião, o verdadeiro caráter de Elon Musk. Sem desanimar em frente de todas as probabilidades, sem se intimidar com medo do fracasso e forjado nos campos de batalha de alguns dos mais intensos desafios, em termos técnicos e de capital, que qualquer humano poderia escolher para assumir. De alguma forma sai sempre vivo – com a cabeça do outro numa bandeja.

Trabalhar com Elon não é uma experiência confortável: nunca está satisfeito consigo mesmo logo nunca está realmente satisfeito com quem o rodeia. Puxa por si cada vez mais e puxa pelos outros ao seu redor exatamente da mesma forma. O desafio é que ele é uma máquina e nós não. Logo, se você trabalhar para Elon terá de aceitar o desconforto. Mas é nesse desconforto que está o tipo de crescimento que não consigo obter em mais lado nenhum – que vale cada gota de sangue e suor.

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