Os pontos fracos dos acordos da esquerda
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Os acordos que garantem um governo socialista com apoio maioritário no parlamento pecam por alguma fragilidade. Eis os pontos fracos dos mesmos.

Os recentes acordos à esquerda no apoio a um governo socialista não contêm cláusulas que garantam a 100% um governo do PS durante 4 anos. Se Cavaco Silva empossar o governo que António Costa lhe vai apresentar, então o primeiro governo de minoria com apoio parlamentar terá que enfrentar vários contratempos.

Eis então os fatores que poderão fazer com que a vida política de Portugal possa ter que enfrentar dificuldades inesperadas:

O Acordo não é um acordo para o governo, mas antes uma “posição conjunta sobre solução política”. No documento assinado com os comunistas vê-se que o objetivo das negociações foi atingir “uma política que dê resposta aos problemas mais urgentes dos portugueses” mas não um programa de governo.

PS e PCP apontam para discrepância de políticas idealizadas. Trata-se acima de tudo sobre como implementar algumas medidas mencionadas no documento. Lê-se o seguinte: “PS e PCP registam ainda a identificação de outras matérias onde, apesar de não se ter verificado acordo quanto à sua concretização, se regista uma convergência quanto ao enunciado dos objetivos”.

Isto também diz respeito a vários itens: rapidez de reposição dos salários, fim da sobretaxa, reposição das 35 horas de trabalho dos funcionários públicos, eliminação de restrições à contratação no Estado, “aumento dos escalões e progressividade no IRS”, anulação das taxas moderativas, reposição de regras de transporte de doentes não urgentes, extensão de acesso e montantes de apoios sociais, reforço e diversificação das fontes de apoio financeiro da Segurança Social.

No caso do Bloco, aponta-se “a natureza distinta dos programas” – mas, diferentemente do PCP, o Bloco não se limita a enumerar as matérias em que converge plenamente com o PS.

Objetivo pouco concreto. Reparem na definição dos partidos: “PS e PCP reconhecem, no quadro do grau de convergência, que foi possível alcançar que estão criadas as condições para (…) existir uma base institucional bastante para que o PS possa adotar medidas que respondam a aspirações e direitos do povo português”.

Assuntos pendentes. Nos mecanismos principais para a governação, o documento garante… mais conversas. Por exemplo:

  • Os partidos vão “encetar o exame comum quanto à expressão que as matérias convergentes identificadas devem ter nos Orçamentos do Estado, na generalidade na especialidade”;
  • No que concerne a medidas de “concretização mais imediata”, sugere-se ''examinar as medidas e soluções''. Aqui podem encaixar-se as medidas adicionais que António Costa gostaria de renovar ainda este ano, para não haver um buraco no início do Orçamento do ano que vem;

Todos falam com o PS – mas não uns com os outros. Ou seja, se o Bloco promover um projeto que suscite crítica do PCP, o PS terá que resolver o conflito. O mesmo consta no acordo PS-BE e no acordo PS-Verdes, pelo qual os socialistas deverão unir todas as partes que aprovem o seu governo.

Não são mencionados planos de reserva. Catarina Martins afirmou-o abertamente. De acordo com ela, essas medidas complementares não poderiam consistir em cortes de rendimentos e pensões ou ainda aumento “de impostos sobre bens e serviços essenciais” e “diminuição da progressividade fiscal”. No entanto, assentuou que poderiam ser adotadas “outras formas” de obter receita.

Nenhuma menção das regras e objetivos europeus, nem aos tratados internacionais. Nos quatro documentos não constam as normas do euro, nem os acordos da União Europeia, mesmo os que ligam Portugal à NATO ou ao acordo em negociação entre a UE e EUA.

Ausência de elementos do BE e PCP no executivo. Os acordos dizem que as divergências entre os partidos impossibilitam outras formas de apoio a um Governo socialista.

Pouco diz respeito ao que vem depois de 2016. A esmagadora maioria dos planos negociados entre os partidos da esquerda terá de ser aplicada nos primeiros meses de governo. São poucas as medidas que ligam os quatro partidos daqui a um ano, mas vale a pena sublinhar as seguintes:

  • Descongelamento das carreiras: é suposto aplicar-se a partir de 2018.
  • Aumento da progressividade do IRS através do aumento do número de escalões.
  • Correção da tributação municipal do património, sendo possível introduzir a progressividade no IMI;
  • Universalidade da oferta da educação pré-escolar gratuita a todas as crianças dos três aos cinco anos;
  • Outras medidas contínuas em Concertação Social: aumento anual das pensões; aumento do salário mínimo, entre outras;
  • E, por fim, vários grupos de trabalho, cujo trabalho deve apontar para o orçamento de 2017 (deve ser aprovado daqui a um ano, se tudo correr corretamente).
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