Os problemas dos curdos iraquianos
REUTERS/Asmaa Waguih
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São a melhor esperança do ocidente. Mas os curdos iraquianos têm que lidar com uma série de problemas económicos e políticos.

A rápida ofensiva dos militantes do Estado Islâmico através do norte do Iraque no ano passado fez com que uma comunidade em particular passasse para a linha da frente do combate – os curdos.

À medida que o poder do governo iraquiano enfraquecia sob assalto, os líderes curdos discutiram a transformação do seu estatuto de região semiautónoma para independência total. E à medida que os combatentes curdos, conhecidos por peshmerga, suportados pelos ataques aéreos liderados pelos EUA emergiram como uma das mais efetivas forças de resistência aos jihadistas, conseguiram o elogio e o apoio militar do ocidente.

18 Meses depois, o governador de Erbil, capital do Governo Regional do Curdistão do Iraque, admitiu que alguns peshmerga estão a combater o Estado Islâmico sem serem pagos a tempo.

Esse é apenas um aspeto das profundas crises políticas e económicas que assolam o Curdistão iraquiano, colocando as suas ambições em risco.

Queda dos preços do petróleo

O Governo Regional do Curdistão, que foi formado em 1992 e controla uma área maior do que a Holanda a partir da capital Erbil, encontra-se em disputa com o governo central do Iraque em relação à partilha de receitas das vendas de petróleo. As finanças, já em mísero estado devido ao impasse, ficaram em ainda piores condições devido à queda global dos preços do petróleo e ao custo de cuidar de cerca de 1,5 milhões de refugiados que procuraram abrigo na zona curda.

Os gastos caíram abruptamente com cerca de 6.000 projetos congelados na região. Incluem a construção de um Hotel Marriot em Erbil, um dos maiores do Iraque, de acordo com o responsável por media e marketing Jihad Omar.

O governo regional, devido a falta de liquidez, tem meses de atraso no pagamento dos salários do setor público, que representam mais de 70% do seu orçamento. A tensão tornou-se mais visível em outubro, quando cinco pessoas foram mortas e 200 feridas na sequência de protestos em várias vilas e cidades.

O enclave iraquiano do Curdistão irá necessitar de pelo menos $1,4 mil milhões para estabilizar a economia depois de o crescimento ter abrandado dos 8% em 2013 para 3% no ano passado, e de a pobreza ter duplicado, de acordo com o Banco Mundial.

Dlawer Ala’Aldeen, presidente fundador do Instituto de Investigação do Médio Oriente em Erbil, afirma que a dependência curda do petróleo significava que esta era “uma crise à espera de acontecer.” Mesmo assim, sendo o Estado Islâmico no norte do Iraque não mais a ameaça existencial que era há um ano atrás, e o preço do petróleo não ficando pior”, o futuro pode ser mais risonho, disse Ala’Aldeen.

Crise política

Sarar as crescentes divergências entre as duas forças dominantes na política iraquiana curda pode ser mais difícil.

A União Patriótica do Curdistão (PUK), liderada por Jalal Talabani desde que a região adquiriu autonomia e que deteve a presidência do Iraque está a perder apoio. Tal está a fragilizar um acordo delicado de partilha de poder com o Partido Democrata do Curdistão (PDK), liderado pelo presidente da região, Massoud Barzani.

Nas eleições parlamentares mais recentes o PUK caiu para a terceira posição depois de ter sido derrotado pelo Partido Gorran, que conseguiu votos de curdos insatisfeitos com alegada corrupção.

“Não subestimem a capacidade dos curdos de se autodestruírem.” Liam Anderson, Universidade de Ohio.

Argumentando que agora não é o momento indicado para uma mudança de liderança potencialmente desestabilizadora, Barzani recusou deixar o poder continuando o seu já antes prolongado mandato, e enfraquecendo assim a sua própria legitimidade. Os deputados do Gorran têm sido removidos do gabinete da coligação depois do KDP ter acusado o partido de atacar os seus escritórios.

“Não é certo quem acabará por controlar a região, nem a unidade do Curdistão num todo” disse Ayham Kamel, diretor para o Médio Oriente e Norte de África no Eurasia Group. “O sonho curdo de independência para já está travado.”

Nawzad Hadi, o governador de Erbil pertencente ao KDP, reconheceu as diferenças mas afirmou que as mesmas poderiam ser suplantadas.

“Nós conseguiremos um acordo entre os curdos,” disse ele numa entrevista na cidade no mês passado. Os esforços garantirão unidade “neste período crítico da história curda,” disse ele.

Velhas feridas

Os líderes iraquianos curdos consolidaram o seu poder na sequência da primeira Guerra do Golf, enquanto a coligação liderada pelos EUA criou uma zona sem voos no norte do Iraque de modo a proteger a região do regime de Saddam Hussein.

As eleições subsequentes levaram a que o KDP e o PUK ficassem igualmente equilibrados no novo governo curdo. Mas uma luta pela proeminência entre eles fez eclodir uma guerra civil em 1994 que durou cerca de quatro anos.

Eis o que diz Liam Anderson, co-autor do livro “The Future of Iraq, Dictatorship, Democracy or Division” O Futuro do Iraque, Ditadura, Democracia ou Divisão) e professor de política na Universidade Estatal de Wright, no Ohio:

“Não subestimem a capacidade dos curdos de se autodestruírem. Repare nos anos 90, eles tinham tudo a seu favor e desperdiçaram a oportunidade. Há fontes de divisão muito profundas no seio do Curdistão iraquiano."

Apesar da turbolência em Erbil, as forças curdas têm permanecido efetivas. Retomaram a cidade de Sinjar, de importância simbólica, no mês passado, e têm empurrado os militantes para fora de outras vilas e cidades do norte.

Mapa de regiões curdas no Iraque e na Síria

Alguns peshmerga não receberam salários durante algum tempo “mas confiam no governo e pensam que tal acontecerá mais tarde,” diz Hadi.

Há limites sobre quão a sul podem os curdos lutar, tendo em conta a configuração étnica e sectária do Iraque.

“Os curdos estão a lutar pelo seu território, mas o problema é que quanto mais a sul eles vão, mais entram áreas que não são incontestadas,” disse Anderson, referindo-se às regiões onde árabes sunitas ou xiitas dominam

“Os peshmerga são provavelmente os combatentes mais entusiásticos, mas o facto de serem eles a liderar a luta contra o Estado Islâmico criará problemas mais tarde,” disse ele. "Caso as tensões entre o KDP e o PUK se deteriorem, ainda há a questão sobre de que lado ficarão os peshmerga."

“Depois de o Estado Islâmico ser de alguma forma derrotado no Iraque, há assuntos que terão de ser resolvidos”, disse Kawa Hassan, diretor do programa do Médio Oriente e Norte de África no Instituto EastWest em Bruxelas. O facto de não estarem unidos, afirma ele, “enfraque a posição negocial dos curdos num Iraque pós-Estado Islâmico.”

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