Governo saudita semeia o ódio
Thaier Al-Sudani/Reuters
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O veneno sectário da Casa de Saud espalha-se pelo Médio Oriente e em breve a família no poder na Arábia Saudita não será mais capaz de o controlar.

É difícil ver como é que as execuções levadas a cabo pela Arábia Saudita irão enviar o sinal que era presumivelmente desejado: o de uma monarquia absoluta onde o sul nunca se põe, aplicando a lei nos seus próprios termos com um aviso sanguinário para que a ameaçasse interna e externamente.

Porém, as execuções parecem mais ter funcionado como uma mensagem defensiva que injeta ainda mais veneno sectário no já conflituoso Médio Oriente. Esse veneno não é algo que a Casa de Saud ou que os clérigos Wahhabi que a legitimam possam controlar, à medida que o conflito sunita-xiita incitado por esse veneno continuar a destruir a região.

Desde o acordo nuclear entre as potências internacionais e o Irão aparentou ser imparável, os líderes sauditas chegaram a três conclusões. Sim, eles foram ultrapassados no jogo diplomático e sentiram-se desiludidos com os EUA, o aliado e patrono de longa data. A norte, primeiro no Iraque e depois na Síria, o Irão desenhou um arco xiita através das terras árabes, de Bagdade a Beirute. Os responsáveis já disseram repetidas vezes aos EUA que os avanços iranianos que eles interpretam como uma jihad xiita é uma ameaça maior do que a ameaça da jihad sunita levada a cabo pelo Estado Islâmico.

Por isso o governo saudita aparenta estar determinado em garantir que qualquer incursão de suporte iraniano no Golfo está fora dos limites admissíveis. A mensagem é de que a península arábia é terra santa para o Islão sunita, que a Casa de Saud presume liderar. Não haverá espaço para enclaves persas e não haverão tréguas com os xiitas locais, sempre abominados como idólatras pelos radicais Wahhabi, mas há muito vistos como uma coluna militar extra para o exército do Irão, radicalizado pela Revolução Islâmica de 1979. As já muito ténues perspetivas de uma transição negociada para uma Síria pós-guerra civil desvanece à luz da inimizada saudita-iraniana.

O Rei Salman, que sucedeu ao trono no ano passado, sublinhou a mensagem ao lançar uma guerra em março no vizinho Iémen contra as forças xiitas Houthi insurgentes. Mas como se tivesse havido alguma ambiguidade, a Arábia Saudita executou recentemente o sheik Nimr al-Nimr, um clérigo conhecido da província oriental da Arábia Saudita, onde os xiitas estão em maioria. Nimr tinha há muito feito campanha pelos direitos civis, religiosos e políticos que o Estado saudita nega aos xiitas. Ele era inequivocamente contra a violência, mas mesmo assim foi executado como sendo terrorista. O facto de que 43 sunitas jihadistas foram executados simultaneamente, devido a crimes de que foram considerados culpados há mais de dez anos atrás, é visto por muitos sauditas xiitas – cerca de 3 milhões de pessoas - como uma cobertura para um assassinato político que veem como declaração de guerra.

Esta perspetiva foi confirmada pelos media e comentários nas redes sociais através do Golfo recheados de sentimentos anti-xiitas. Há também, é verdade, a opinião contrastante que enfatiza a sabedora convencional sobre como os sunitas e os xiitas conseguiram conviver pacificamente ao longo de séculos, misturando-se, casando entre si, alcançando compromissos e até evitando catástrofes. Apesar de este ser o discurso padrão de tiranos árabes que falharam em construir nações inclusivas não está errado – simplesmente torna-se irrelevante num momento em que os demónios sectários foram lançados através da região.

A Casa de Saud e os seus apoiantes Wahhabi têm sido primariamente disseminadores de um ramo muscular e exclusivista do Islão sunita, não apenas em países árabes mas através de todo o mundo islâmico. Matar Nimr abriu outro compartimento desta caixa de Pandora – num momento em que a Casa de Saud se encontra particularmente vulnerável.

A família reinante tem mostrado uma resiliência extraordinária ao longo das últimas quatro décadas. Fez face a uma transformação de reino do deserto estabelecido à força de espada para um titã petrolífero e grande potência regional, e enfrentou desafios tanto de nacionalistas árabes como de ramos rivais do Islamismo.

Mas as três coisas que têm sustentado o poder da família – poder de decisão firme, coesão familiar e dinheiro ilimitado – estão agora em falta.

O preço do petróleo colapsou e as reservas estão a evaporar. A política está nas mãos de Mohammed bin Salman, o dinâmico mas inexperiente segundo príncipe da coroa e filho favorito do rei, que até os apoiantes afirmam que arrisca desafios dos membros da própria família. Ele está também a levar a cabo uma reformação da gestão económica clientelista e paternalista do reino – ao eliminar subsídios de energia, por exemplo.

Uma reforma do género é há muito necessária. Mas é uma narrativa que fala de reforma limitada como uma resposta tecnocrata para problemas políticos e sociais intratáveis. Esses problemas não irão desaparecer. E a nova liderança não só embarcou numa cara ofensiva no estrangeiro – do Iémen à Síria, mais o apoio a aliados sunitas, do Egito ao Bahrein – como também abriu uma nova frente interna.

No topo de tudo isto o exemplo sangrento que os sauditas fizeram de Nimr, e a sua resposta alarmada e belicosa às intromissões iranianas pelo mundo árabe, continuam a dar a impressão de que a Casa de Saud e os Wahhabis estão a competir com os jihadistas radicais do Estado Islâmico para ver quem é melhor a subjugar xiitas.

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