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O software será capaz de agrupar dados sobre comportamentos dos cidadãos para prever atos terroristas antes dos mesmos ocorrerem.

O esforço da China para afastar todas as ameaças à sua estabilidade está a expandir-se para uma área que existia apenas na ficção científica distópica: o pré-crime. O Partido Comunista está a chefiar a China Electronics Technology Group no desenvolvimento de um software capaz de agrupar dados sobre o emprego, hobbies, hábitos de consumo e outros comportamentos do cidadão comum para prever atos terroristas antes dos mesmos ocorrerem.

Eis o que disse Wu Manqing, engenheiro-chefe do grupo, aos jornalistas numa conferência em dezembro:

“É crucial examinar a causa por detrás de um ato terrorista. Mas mais importante ainda é prever atividades futuras.”

Trata-se de um programa inédito pois não existe garantia de leis para proteção da privacidade – Afirma Lokman Tsui, professor assistente na School of Journalism and Communication da Chinese University of Hong Kong, que assessorou a Google quanto a questões de liberdade de expressão na Internet.

O projeto tira proveito de uma existente vasta rede de informantes de bairro designados pelo Partido Comunista para monitorizar tudo – desde a violação do planeamento familiar até comportamentos pouco ortodoxos. Uma proposta de lei relativa à ciber-segurança, revelada em julho, concede ao governo acesso quase desenfreado aos dados dos utilizadores – em nome da segurança nacional.

“Se nem as restrições legais nem o debate político sobre a vigilância Big Brother são fatores para o regime então há muitos e diferentes dados que podem ser agrupados e, com referencias cruzadas, ajudar a identificar possíveis terroristas ou subversivos.” – Diz Paul Pillar, um membro não residente da Brookings Institution.

Construir uma bola de cristal para prever e prevenir ataques, uma versão real do Minority Report, é o objetivo final de combate ao crime em todo o mundo. No entanto, até agora, e de acordo com os especialistas em segurança: mais dados significou apenas mais ruído. “Não existem exemplos suficientes de atividade terrorista para modelar como é que se poderá parecer em termos de dados – e isto é verdade, independentemente da quantidade de dados que se tem.” – Afirma Jim Harper, membro sénior do Cato Institute. “Você precisa de levedura para fazer pão. Não consegue compensar a falta de levedura com mais farinha.”

Arquivos secretos do governo

A China já era um estado vigilante muito antes de Edward Snowden ter alertado os americanos para a extensão da espionagem doméstica. Desde a era de Mao que o governo tem mantido um arquivo secreto – chamado dang’an – sobre quase toda a gente. Dang’an contém relatórios escolares, registos de saúde, licenças de trabalho, avaliações de personalidade e outra informação que pode ser considerada confidencial e privada noutros países. O conteúdo do Dang’an pode determinar se um cidadão é elegível para uma promoção ou pode garantir uma cobiçada autorização para residência em centro urbano. O governo revelou, no ano passado, que também estava a construir uma base de dados nacional que iria classificar os cidadãos quanto à sua lealdade.

As novas leis anti-terrorismo que entraram em efeito a 1 de janeiro permitem às autoridades o acesso a contas bancárias, telecomunicações e a uma rede nacional de câmaras de vigilância chamada Skynet.

Que empresas estão envolvidas?

De acordo com um relatório da U.S. Congressional Research Service, empresas como a Baidu – motor de busca líder na China –, a Tencent – operadora da WeChat, popular aplicação para troca de mensagens – e a Sina – que controla o site de microblogging Weibo – já cooperam com pedidos oficiais de informação. Um porta-voz da Baidu avançou que a empresa não se encontrava envolvida na nova iniciativa anti-terrorista. A Tencent e a Weibo da Sina não responderam aos pedidos de comentários.

A China Electronics Technology, que começou o projeto anti-terrorismo em outubro de 2014, teve uma receita operacional de 164 mil milhões de yuans (25 mil milhões de dólares) em 2015. Além de fornecer, aos militares chineses, sistemas eletrónicos e radares para conflitos a empresa tem desempenhado um papel de liderança no ambicioso programa espacial do país.

Em que consiste o projeto?

Uma grande parte do projeto está envolta em secretismo. O Ministério da Segurança do Estado, que supervisiona a contraespionagem e a segurança política, nem sequer tem o seu próprio website. Apenas Wu, o engenheiro da China Electronics Technology, fala sobre o registo. Tocou na abrangência do esforço de colheita de dados quando disse que o software seria capaz de desenhar retratos dos suspeitos através da referência cruzada de dados de contas bancárias, empregos, hobbies, padrões de consumo e filmagens das câmaras de vigilância.

O programa seria capaz de sinalizar comportamento incomum – como uma residente numa pequena aldeia, pobre, passar de repente a ter muito dinheiro na sua conta bancária; ou alguém, sem familiares no exterior, passar a realizar chamadas frequentes para o estrangeiro.

De acordo com Wu estes podem ser sinais indicadores de um terrorista. “Não lhe chamamos plataforma de grandes dados.” – Declarou. “Mas ambiente de informação unida.” Na China, assim que se deteta um suspeito a polícia pode congelar as suas contas bancárias e obrigar as empresas a entregar registos relativos às suas comunicações.

Outro executivo da China Electronics Technology, que pediu anonimato pois não se encontra autorizado para falar publicamente, avançou que o software anti-terrorismo seria primeiramente testado em territórios onde as autoridades chinesas têm maior dificuldade em combater a oposição – por vezes violenta e por parte de minorias étnicas – ao regime comunista. Afirmou que o projeto piloto teria maiores condições para ser bem-sucedido do que um programa a nível nacional, pois estaria focado em 22 milhões de residentes do escassamente povoado território de Xinjiang, no noroeste da China, e em 3 milhões nas montanhas do Tibete.

Pillar, da Brookings, está cético: “Nenhum sistema de vigilância e de exploração de dados pode parar tudo.” – Afirmou. Mas Tsui, o professor de Hong Kong, avança que se alguém tem a hipótese de alcançar um viável Big Brother de alta tecnologia são os chineses. A falta de proteções à privacidade significa que os farejadores de dados da China têm mais prática do que aqueles no Ocidente. “As pessoas que são boas nisto são boas precisamente por terem acesso a uma grande quantidade de dados.” – Afirmou. “Podem experimentar com todo o tipo de questões.”

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