A estratégia de Dilma poderá não funcionar
Adriano Machado/Reuters
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A crise política no Brasil adensa-se. A população exige a detenção de Lula e o afastamento de Dilma do cargo.

Está a tornar-se cada vez mais difícil acompanhar o desenrolar da crise política que está a dominar a maior nação da América Latina. Na quarta-feira, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, nomeou o antigo presidente, Luíz Inácio Lula da Sila, como chefe da Casa Civil. Foi um passo ousado - e que pareceu calculado não tanto para ajudar o Brasil a superar tempos difíceis, mas sim para Dilma apoiar a própria presidência enfraquecida e salvar o seu mentor político.

O plano durou até à noite. Apenas horas depois de Lula ter sido confirmado como chefe da Casa Civil, os media brasileiros começaram a transmitir fragmentos de conversas gravadas que sugerem que os dois líderes conspiraram para escapar à justiça (e entretanto um juiz federal mandou bloquear a nomeação, com o argumento de que a posição de Lula poderia permitir que este influenciasse investigações legais em andamento. Imediatamente a seguir, advogados do governo recorreram da decisão do juiz). Se as acusações ­­–– e muitas outras em torno do governo de Rousseff ­­–– se mantiverem, a aposta da presidente para salvar a sua carreira pode acabar por intensificar a reivindicação do seu afastamento do cargo, empurrando Lula - uma lenda viva do Brasil, que apoiou os mais pobres e contribuiu para melhorar a imagem do país a nível internacional - para a desgraça.

Em parte, os estragos podem já ter sido feitos. As interceções telefónicas são parte de uma investigação em curso quanto a suspeitas de corrupção na empresa petrolífera estatal Petrobras - que tem envolvido executivos de topo e lobistas e está agora a entranhar-se profundamente no poder político. A 4 de março, Lula foi detido e interrogado pela polícia federal por alegadamente ter recebido “favores” das empreiteiras envolvidas no esquema da Petrobras. Num processo relacionado, procuradores do estado de São Paulo anunciaram que procuravam a detenção de Lula por branqueamento de capitais e ocultação de ativos.

A nomeação de Lula parece uma ida às compras: apenas o Supremo Tribunal pode investigar autoridades do governo, um privilégio que poderia salvar Lula do rigor de Sérgio Moro, o implacável juiz federal que preside o caso da Petrobras. No entanto, os brasileiros serão perdoados por concluírem que se trata também de uma manobra sem vergonha para despistar a justiça. Numa gravação, Rousseff assegura a Lula que está a tratar do envio de confirmação escrita da sua nomeação - um documento que presumivelmente poderia protegê-lo da prisão.

Rousseff antecipou o criticismo, escarnecendo quanto às sugestões de que o maior tribunal do país seria mais complacente do que uma instância inferior. A presidente tinha razão: afinal de contas, em 2012, magnatas, lobistas e figuras políticas ligadas ao antigo governo de Lula foram condenados num esquema de compra de votos no seguimento de julgamento no Supremo Tribunal - onde oito dos onze juízes foram nomeados por Lula ou Rousseff.

Um aliado do antigo governo avançou aos procuradores que Rousseff tentou interferir na investigação da Petrobras ao nomear um juiz que considerou ser favorável à libertação de dois fornecedores do governo. Rousseff negou qualquer transgressão.

No entanto, mesmo a mais generosa interpretação da aposta de Rousseff em Lula ­­–– com a crença de que o prestígio do antigo líder pudesse reunir os aliados mais rebeldes, salvar a economia e conseguir bastantes votos no Congresso para evitar o impeachment –– parece um exercício de realismo mágico.

A popularidade de Lula deve-se ao seu extraordinário carisma e pragmatismo e às suas capacidades como negociador político, mas também a um golpe de sorte fabuloso. Lula liderou o Brasil durante o aumento da venda de matérias-primas, o que também estimulou o crescimento económico na última década, e ajudou milhões de pessoas a sair da pobreza. O Brasil tornou-se, pela primeira vez, uma sociedade com maioria de classe média.

Mas o boom acabou e enquanto muitos países da América Latina continuam a crescer, graças a uma prudente gestão económica, a economia do Brasil está a cair. A taxa de desemprego em 2015 atingiu o nível máximo dos últimos três anos e a crescente classe média está a deslizar. Assim como Lula.

Apesar das veementes negações de Lula, um financeiro do mercado negro que se encontra no centro do caso de corrupção afirmou que tanto Lula como Rousseff tinham conhecimento da corrupção na Petrobras - um esquema que os procuradores relacionaram com a presidência de Lula. Parece que os brasileiros concordam.

Há treze anos atrás vimos multidões saudar com alegria o torneiro mecânico que se tornou presidente, quando este subia a rampa de cimento do Palácio do Planalto em Brasília. Hoje, as multidões estão de volta ao Palácio –– desta vez para exigir a detenção de Lula e a renúncia de Rousseff. O herói do dia? O juiz do tribunal federal que suspendeu a nomeação de Lula e que se tornou uma celebridade nas redes sociais brasileiras.

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