A influência russa na Alemanha, Reino Unido e França
Hannibal Hanschke/Reuters
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A Rússia tem provado a sua capacidade para se intrometer na política de membros-chave da União Europeia. Qual será o impacto da sua intervenção nas próximas eleições presidenciais na Alemanha e França em 2017? E mais cedo, quanto ao Brexit?

A violação coletiva de uma menina de origem russa com 13 anos – por um trio de imigrantes na Alemanha – constitui o tipo de crime que destrói a alma.

Os primeiros relatórios galvanizaram a diáspora russa, levando dezenas de milhares de pessoas para as ruas a protestar contra a política de portas abertas da chanceler Angela Merkel.

O problema é que o ataque nunca aconteceu. Tratou-se apenas de uma “conversa” de adolescente, como rapidamente concluído pela polícia.

As autoridades alemãs afirmaram que o controverso caso – conhecido como “o caso Lisa” – foi criado pela máquina de propaganda do presidente Vladimir Putin para minar Merkel na sua corrida às eleições regionais do mês passado – que resultaram em perdas para o seu partido.

A preocupação agora em Berlim, Bruxelas e além é que com a posição do Reino Unido quanto a um referendo histórico face à adesão à União Europeia e com as eleições nacionais em França e na Alemanha no próximo ano o presidente Putin intensifique os seus esforços para dividir o bloco de 28 membros.

“A Rússia irá começar a minar os processos eleitorais na Europa” – Avançou Joerg Forbrig, diretor de programas no German Marshall Fund dos EUA em Berlim.

“O caso Lisa foi uma verdadeira revelação.”

O alcance do Kremlin

A mobilização na Alemanha mostra a capacidade de intervenção do Kremlin no funcionamento político da maior economia da Europa. O já de longa data ministro das Relações Externas de Putin – Sergei Lavrov – quebrou uma convenção diplomática no final de janeiro ao acusar a Alemanha de cobrir o caso Lisa.

De acordo com autoridades em Berlim, o indignado governo de Merkel levou o homólogo de Lavrov a emitir uma reprimenda pessoal (rara) e levou a chancelaria a ordenar à sua agência nacional – de serviços de informações –, a BND, que investigasse o papel do Kremlin no escândalo.

A Alemanha tem agora uma unidade especial encarregue de combater a desinformação russa e a mesma funciona no pressuposto de que o objetivo de Putin é derrubar os governos favoráveis à UE e substituí-los por partidos pró-Rússia, independentemente de onde se encontrem no espetro político.

O financiamento de Le Pen

Em França o apoio é financeiro. A Frente Nacional, partido de extrema-direita de Marine Le Pen, recebeu financiamento de um credor russo e procura 25 milhões de euros de outros para financiar a sua campanha às presidenciais de 2017.

Le Pen, a mais proeminente apoiante de Putin na Europa ocidental, encontra-se atualmente em segundo lugar nas sondagens. Embora o seu partido não tenha conseguido vencer numa única região nas eleições de dezembro recebeu 6,8 milhões de votos, o maior número de sempre.

Tal mostra que o continente está a mover-se no sentido de um realinhamento político mas favorável ao Kremlin, de acordo com Konstantin Malofeev, multimilionário russo que defende uma aproximação à extrema-direita da Europa.

“Isto é o início do fim do sistema.” – Afirmou Malofeev em Moscovo.

Brexit e Nexit

A próxima grande arena para a intromissão russa é o Reino Unido, que irá realizar um referendo em junho quanto à sua permanência na UE. Com a votação próxima a embaixada russa em Londres tomou o incomum passo de questionar a competência do líder eleito no país anfitrião.

Depois do primeiro-ministro David Cameron ter defendido a permanência no bloco na medida em que tal permite ao Reino Unido liderar a resposta da Europa à agressão de Putin na Ucrânia a embaixada respondeu de volta via Twitter, afirmando que arrastar a Rússia para o debate ao redor do Brexit sugeria que Cameron “não consegue vencer com os seus próprios méritos”.

Uma importante apoiante do Brexit é a Sputnik, agência de notícias russa gerida pelo governo que advertiu recentemente que o Reino Unido irá sofrer ataques sexuais em massa – como os verificados em Colónia e que precederam o caso Lisa – se não deixar a UE – citando Nigel Farage, admirador de Putin e líder do Independence Party do Reino Unido.

Um porta-voz do Kremlin avançou de forma semelhante na Holanda, onde os eleitores rejeitaram um tratado da UE com a Ucrânia. A Sputnik saudou a derrota como um passo em direção ao “Nexit”.

Berlim soviética

A “ativa campanha de propaganda de Putin” levou o Reino Unido, Dinamarca, Lituânia e Estónia a instar a UE a tomar medidas preventivas mais robustas – o que resultou na criação da task force East StratCom.

O Kremlin e o ministro das Relações Externas avançaram que o único interesse da Rússia no caso é a proteção dos direitos dos russos étnicos no estrangeiro. O advogado da família de Lisa não respondeu aos pedidos de comentários.

Lisa, cuja família provém do antigo bairro soviético de Berlim, desapareceu a 11 de janeiro e voltou a aparecer 30 horas mais tarde. A principal emissora do Kremlin, a Channel One, seguida por muitos dos quatro milhões de cidadãos que falam russo na Alemanha, avançou que Lisa disse aos seus pais que tinha sido sequestrada e violada no caminho para a escola por três estrangeiros. Mais tarde as investigações determinaram que tinha passado a noite com um amigo.

Contudo, o prejuízo (político, quanto a Merkel) já tinha sido alcançado.

A “faísca”

“Bastou uma faísca para as coisas se espalharem.” – Afirmou Heinrich Groth, presidente de um grupo de lobby para os alemães também com nacionalidade russa que ajudou a organizar os protestos de janeiro – que contaram com cerca de 30.000 pessoas.

Groth afirmou que já foi abordado para unir forças com o Pegida, um movimento anti-imigração que tem atraído milhares de pessoas aos seus comícios desde que surgiu no ano passado.

Afirmou ainda que a sua visão é semelhante à do AfD, partido alemão anti-euro. A chegada de mais de um milhão de refugiados e os ataques em Colónia ajudaram a baixar o índice de aprovação de Merkel para o nível mais baixo em mais de quatro anos.

“A Europa está a virar-se para a direita.” – Avançou Dmitry Abzalov, que dirige uma empresa de consultoria em Moscovo que aconselha o Kremlin quanto a grupos de oposição na Europa. “E Merkel mostrou-se fraca quanto à questão dos migrantes.”

Um funcionário do partido de Merkel – União Democrata Cristã – avançou que diversos eleitores estão a desertar para o AfD, que aparentemente também recebe fundos da Rússia – de acordo com Alina Polyakova do Dinu Patriciu Eurasia Center do Atlantic Council em Washington. Embora ainda relativamente pequeno o AfD registou a maior exibição de sempre nas eleições regionais do mês passado.

O porta-voz do partido avançou por e-mail que o mesmo “adere estritamente” à lei de financiamento político da Alemanha, não recebendo dinheiro do exterior.

No entanto, essas garantias não apaziguam as suspeitas quanto às intenções de Putin relativamente à liderança do país.

Juergen Hardt, porta-voz de política externa da aliança CDU/CSU, avançou que Putin poderá tentar encobrir as suas atividades, afirmando ser claro que prefere ver uma Europa fragmentada do que uma unida – com o caminho para esse objetivo a passar por Berlim.

“A lógica subjacente é que quando se desacredita a chanceler Merkel e a Alemanha também se enfraquece a Europa.” – Afirmou Hardt.

Fonte: Bloomberg

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