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A desconfiança entre refugiados devotos e anftriões seculares tende a aumentar. Solução? “Aceitação de parte a parte”

O muro que dividiu Berlim posicionou o mundo entre o leste e o ocidente ao longo de três décadas. Hoje, o perigo é colocado por uma barreira entre duas culturas.

Naquela que é conhecida localmente como a “rua árabe”, mulheres sírias com lenços escolhem amêndoas e outros alimentos de que precisam para preparar os guisados que costumavam fazer em Alepo ou Homs. Os homens fumam em bares de shisha – e uma pastelaria anuncia especialidades de Idlib. Em pouco mais de um ano após o grande fluxo de requerentes de asilo ter chegado à capital alemã o árabe veio substituir o alemão e o turco.

No seguimento dos ataques de extremistas islâmicos em Paris e Bruxelas o choque entre refugiados devotos e os seus anfitriões seculares tem gerado desconfiança. Embora Berlim reflita a mistura de culturas e de cozinhas encontradas na maioria das grandes cidades também representa o desafio que as democracias liberais enfrentam enquanto gerem objetivos estratégicos e humanitários e as expectativas dos seus eleitores – cada vez mais inquietos e ressentidos.

Terreno Fértil

Com os seus adversários a solicitarem o encerramento das fronteiras alemãs depois de mais de 1 milhão de refugiados terem chegado no ano passado, a chanceler Angela Merkel avançou que a integração é o maior desafio que o país enfrenta.

Entrevistas com muçulmanos em Berlim, Bruxelas e Viena mostraram que muitos não são capazes, não querem ou não sabem como se integrar. Alguns afirmam temer que a sua fé se diluía e que os seus filhos sejam corrompidos – o que tem conduzido à proliferação de jardins de infância islâmicos em alguns locais.

De acordo com Markus Ziener, académico em Berlim:

“Temos de evitar a todo o custo a criação de subculturas ou guetos pois, na pior das hipóteses, tornam-se terreno fértil para o radicalismo. (...) Até certo ponto já falhámos se olharmos para certas áreas de Berlim e de outros lugares.”

Demonstrações de afeto em público

O mais difícil é convencer os recém-chegados do mundo árabe de que a integração não é um compromisso – mas sim uma necessidade.

Alshater, de 25 anos, chegou à Alemanha há três anos:

“Muitos dos que chegaram aqui participaram numa revolução em casa. (...) Querem liberdade e democracia, mas não dão liberdade e democracia à sua própria população.”

De acordo com os muçulmanos inquiridos o maior problema é que os imãs vêm de fora da Europa, incluindo do Médio Oriente, não falam a língua local e não estão familiarizados com as questões que os muçulmanos encaram na Europa numa base diária – como o tolerar demonstrações públicas de afeto ou o consumo de álcool e drogas, numa sociedade que lhes dá abrigo e uma bolsa mensal de pelo menos 400 euros (a cada refugiado adulto).

Hasna Fadl, requerente de asilo da Síria, chegou a Berlim há alguns meses. Há um aspeto da vida europeia que teme que influencie a sua filha de 4 anos. Estava no metro quando a criança se riu a apontar para um casal alemão que se beijava. Na sua vila fora de Damasco tal cena seria inimaginável.

Sem ninguém que a oriente, Fadl, de 42 anos, ensinou-a a dizer “nicht gut” – “não é bom” em alemão – “de cada vez que vir homens e mulheres em situações semelhantes”.

O chamamento de Alá

Sakina Ali, de 45 anos e também refugiada da Síria, pensou que tinha encontrado uma solução para a ausência de muezzins em Berlim – os funcionários das mesquitas que chamam os fiéis para a oração em todo o mundo muçulmano: acrescentou uma aplicação ao seu telemóvel. Um dia, no metro, sentou-se ao lado de um alemão que ouvia música com headphones. Quando o telemóvel a chamou para a oração o homem saltou e pediu-lhe que o silenciasse:

“Porque é que ele tem o direito de ouvir música e eu não posso ouvir a palavra de Alá? Fiquei muito chateada.”

Relatório recente concluiu que existem mais de 150 jardins de infância islâmicos em Viena

Hassan Abied, professor belga de origem marroquina, avançou que vê bastantes jovens a enfrentar o mesmo tipo de questões em Bruxelas. Abied afirma verificar-se um conflito entre a vida dentro e fora de casa.

Os mais jovens perguntam-lhe se não há problema em frequentar escolas frequentadas por ambos os géneros pois em casa é-lhes dito que os géneros não se devem misturar. Perguntam se devem sair da mesa quando um amigo pede álcool ou se as eleições são proibidas como alguns clérigos dizem. No final acabam a voltar-se para a Internet em busca de respostas e são mais propensos a tornarem-se radicais. De acordo com Abied:

“Alguns jovens perguntam-me se estão a falhar o Islão por não viverem num país muçulmano e por fazerem coisas que sentem como contrárias ao Islão. (...) Não há diálogo entre os filhos e os pais quanto a estas questões e os clérigos apenas falam de orações e jejuns nos seus sermões – não abordam estas questões sociais.”

Na Áustria, onde o governo exige cursos de orientação para os refugiados, o foco agora passa por garantir que a educação infantil não fomenta a noção de eles-e-nós.

Jardins de Infância radicais

AP Photo/Christian Bruna

Um recente relatório financiado pelo governo – e conduzido por Ednan Aslan, turco-austríaco, professor de Estudos Islâmicos na Universidade de Viena – concluiu que existem mais de 150 jardins de infância islâmicos na cidade. De acordo com o autor, algumas das escolas – que obtêm financiamento do estado – têm doutrinado as crianças com visões extremistas – como por exemplo quanto à rejeição dos europeus infiéis.

“O problema com os jardins de infância é que a integração é retida pela ideologia.” – Afirmou Martin Kienl, funcionário sénior do Ministério da Integração. “A religião pode assumir um papel positivo na redução da radicalização.” – Acrescentou.

Ranja Ebrahim, de 31 anos, nasceu na Áustria. É filha de pais egípcios e forma professores de educação religiosa em Viena para que o Islão seja compatível com o “ser-se austríaco”:

“Esses jardins de infância não ajudam à integração pois essas crianças não se envolvem na comunidade austríaca, não aprendem a língua, não aprendem a cultura.” – Avançou Ranja na universidade de Viena onde está a completar o doutoramento em Estudos Islâmicos.

Regressando a Berlim, Marko Babe – de 49 anos – avançou que recusar requerentes de asilo na Alemanha “é errado” – no entanto, a emergência de sociedades paralelas não é boa para os negócios. De acordo com o mesmo:

“A solução é a aceitação de parte a parte.”

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