Como o Serviço Nacional de Saúde, onde um em cada dez médicos e um em cada 25 enfermeiros é cidadão de outro país da UE
Muitos dos 52% de britânicos que votaram pela saída da União Europeia fizeram-no pois queriam reduzir a imigração. No entanto, as implicações da saída começaram a tornar-se mais evidentes desde o referendo. Além de contribuírem para o funcionamento de empresas britânicas, os cidadãos europeus a trabalhar no Reino Unido preenchem postos nos serviços públicos do país: um em cada dez médicos e um em cada 25 enfermeiros é cidadão de outro país da UE, por exemplo – e outros milhares trabalham noutros cargos do setor público, enquanto motoristas de autocarros e varredores de ruas.
De acordo com Jonathan Clifton, do IPPR, um think-tank:
“Estamos dependentes de mão de obra estrangeira para prestar serviços públicos de forma mais barata.”
O que irá acontecer se esse fluxo de trabalho estancar?
São cerca de 2 milhões os imigrantes no Reino Unido oriundos de outros países da UE. Theresa May, a nova primeira ministra, indicou que os mesmos serão autorizados a permanecer, enquanto os britânicos no estrangeiro receberem o mesmo tratamento. No entanto, surge a seguinte questão: como é que o país irá tratar os recém-chegados? No ano passado, a imigração líquida, de todo o mundo, superou os 330.000 – com mais de metade proveniente de fora da UE. A entrada de não-europeus é determinada por um sistema de pontos baseado em critérios como a educação e o salário, enquanto os europeus são livres para entrar no Reino Unido à vontade. Se o Reino Unido sair das regras de livre circulação da União Europeia, os cidadãos europeus poderão ser submetidos ao sistema de pontos ou algo semelhante.
Atualmente, o requisito mínimo para vistos de trabalho para cidadãos não pertencentes à UE é um salário anual de 20.800 libras – que deverá subir para 30.000 libras no próximo ano – e uma posição qualificada ou que exija formação superior. No ano passado, apenas 19% dos imigrantes da UE empregados no Reino Unido se encontravam em trabalhos qualificados e a receber mais de 20.000 libras por ano. Na verdade, apenas um quarto de todos os postos de trabalho no Reino Unido vai ao encontro das condições para os vistos de trabalho para não-UE. Em algumas indústrias, que dependem fortemente de mão de obra estrangeira, quase nenhum trabalhador se qualifica: na “agricultura, silvicultura e pesca” apenas 4% satisfará as condições; na “distribuição, hotéis e restaurantes” apenas 6%. Poucos daqueles que colaboram em serviços não qualificados – como serviços de limpeza, por exemplo – irão ao encontro dos critérios.
De acordo com Bob Price, líder do Oxford City Council:
“Tal terá um grande impacto nos serviços públicos.”
Como irão, então, os serviços públicos responder? Muitos estão preocupados com a possibilidade do Serviço Nacional de Saúde (NHS na sigla original) ter maior dificuldade a atrair pessoal. O Reino Unido já se encontra em 24º lugar na UE quanto ao número de médicos por cidadãos. Muitos dos seus médicos, formados no país, estão a emigrar para a Austrália e Canadá em busca de melhores condições. Carlos Vargas-Silva do Migration Observatory da Universidade de Oxford considera que, se necessário, o governo poderá impor critérios menos restritivos para vistos para o NHS. De qualquer das formas a maioria dos médicos satisfará as condições para vistos para cidadãos não-UE – e os enfermeiros encontram-se numa lista de “ocupação por escassez” que não exige os mesmos requisitos. De acordo com Vargas-Silva:
“É difícil ver qualquer cenário com limitações ao nível de profissionais médicos.”
No entanto, outros serviços poderão enfrentar dificuldades. Um em cada 20 colaboradores em atendimento social para adultos – como em casas sénior e trabalho social, por exemplo – é oriundo de um país da UE, num total de cerca de 75.000 pessoas. O setor já enfrenta escassez de pessoal aguda – no ano passado existiam 70.000 vagas por preencher – e mesmo antes do voto pelo Brexit um relatório da Independent Age e da International Longevity Centre, duas ONG, estimou que esse número poderá aumentar para 200.000 ou 14% da força de trabalho necessária até 2020.
As pesquisas sugerem que o apoio ao Brexit foi mais forte entre pensionistas – cerca de 60% dos mesmos votaram pela saída da UE. Aqueles que o fizeram para limitar a imigração poderão perceber, demasiado tarde, que se tratam daqueles que mais precisam da mesma.