A julgar pela falta de notícias sobre o estado da economia nos meios de comunicação social da Rússia a crise já é oficial. Pois tal como nos dias da União Soviética, a televisão pública não dá conhecimento dos factos, esforçando-se por ocultá-los. O que se passa então verdadeiramente na Rússia?
O panorama dos meios de comunicação oficiais consiste em:
- Conflitos na Ucrânia (alimentados pelos Estados Unidos),
- O colapso económico da Ucrânia (desvalorizado pelos Estados Unidos),
- As conquistas Russas nas modalidades desportivas, ballet e outras esferas (invejadas pelos Americanos).
Mas entretanto a televisão não faz menção ao estado da economia, os Russos de uma maneira geral têm estado ocupados a cambiar rublos em dólares, a comprar tudo o que ainda se mantém no mesmo preço e a fazer planos de contingência.
Nas primeiras duas semanas do ano, enquanto a Rússia descansava, o rublo registou uma queda de 15.% face ao dólar, a inflação duplicou. O preço do petróleo, a maior fonte de exportação da Russia, declinou para os 50 dólares por barril. Tal levou os economistas russos a rever as previsões e a definir metas mais baixas. Agora espera-se que o PIB tenha uma contração entre os 3% a 5% este ano. Os níveis de rating da Rússia movem-se, podendo vir a ser classificados como lixo financeiro.
A pacatez do governo face a situação sugere que há falta de estratégias. O presidente Russo Vladimir Putin, veio a televisão mostrar que recebeu relatórios com saldos positivos dos governos regionais. No entanto a queda do preço do petróleo para menos de 50 dólares por barril vai refletir-se negativamente no orçamento de Estado, calculado tendo por base os 100 dólares por barril, ou seja, 3 biliões de rublos (45 mil milhões de dólares), ou 20% da receita, dados revelados pelo atual ministro das finanças russo Anton Siluanov.
Já era expectável o corte de 10% no orçamento, mas neste momento o corte pode ser maior. Mesmo com o aumento dos salários e das pensões sociais para 5%, a inflação de dois dígitos sugere que os rendimentos palpáveis vão diminuir pela primeira vez desde que Putin chegou ao poder, em 2000.
O Kremlin de Moscovo espera driblar a crise, a semelhança do que aconteceu em 2008-09, quando o valor do PIB teve uma contração de 7.5%. De seguida, o governo foi capaz de estimular a procura, aumentando a despesa pública, salvando as empresas endividadas. Mas essa opção já não existe. As reservas nacionais da Russia, neste momento são mais baixas do que eram há quatro anos atrás, podem durar por apenas um ano e meio, na melhor das hipóteses. O pior é que o governo perdeu credibilidade.
Um aumento das taxas de juros na ordem dos 17% em Dezembro, como tentativa de defesa do interesse do rublo, não foi suficiente. Os Russos mostram-se descrentes perante a moeda, e começaram a levantar as suas poupanças. Informação prestada por Natalia Orlova economista-chefe do Banco Alfa.
Se o Kremlin não tivesse dado instruções aos exportadores para venderem os seus produtos na moeda estrangeira, e ao mesmo tempo fazer o alerta para as grandes empresas não comprarem, a queda do rublo teria sido ainda maior.
No entanto a liquidez do Banco Central Russo encontra o seu caminho no mercado da moeda estrangeira. Isso coloca o rublo sob pressão.
Qualquer injeção de liquidez pode interferir na procura dos cortes da despesa interna, e acabar no aumento da saída de capital.
A única forma de suportar o rublo é limitar o provisão de liquidez aos bancos: mas em contra partida esta medida vai colocar os bancos numa enorme pressão. German Gref, responsável do Sberban, o maior banco da Rússia, advertiu que a crise do rublo pode tornar-se numa crise bancária massiva.
Para quando a saída da crise?
É muito pouco provável que a Rússia saia depressa da crise. Porque se vê confrontada com a saída de capital, a queda do preço do petróleo, a falta de acesso aos mercados internacionais, e com os problemas demográficos A esperança de que a desvalorização vá estimular a substituição das exportações, como após 1998, é uma visão surrealista.
Na época a Rússia optou pela produção de bens básicos financiados pela troca de equipamentos datados que tinham sido deixados para trás, pela economia soviética.
As coisas que a Rússia importa hoje não podem ser rapidamente substituídas pelo mercado interno. Porque isso exigiria um esforço de investimento que poucos estão dispostos a arriscar
O antigo ex-ministro das finanças Alexei Kudrin e o economista Esey Gurvich argumentaram que a economia Russa não pode ser reparada por medidas monetárias ou fiscais. Até mesmo as instituições mais fracas devem passar para segundo plano. O que está na origem das mazelas da Rússia é o enfraquecimento das forças do mercado e a repressão dos concorrentes que se traduz na falta de uma verdadeira economia de mercado.
Alexei Kudrin
A expansão do Estado significa que, embora a Rússia não tenha uma política de economia planeada, a sua economia é dominada por empresas públicas ou semiprivadas, cujas receitas não dependem da sua eficiência económica, mas antes dos contactos políticos.
Os incentivos distorcidos bem como a corrupção e a falta de direitos de propriedade, têm empurrado as empresas mais eficientes para fora do mercado. Tal deixa espaço para o fortalecimento das empresas públicas mal gerenciadas. A queda do petróleo veio evidenciar esta situação.
Crescimento atípico no passado
Kudrin e Gurvich explicam que o crescimento invulgar da Rússia entre 1998 e 2008, foi importante: era uma questão de dinheiro fácil, provocada pelo aumento dos preços do petróleo e crédito barato. Isso alimentou o consumo, e satisfez as importações com o aumento da produção interna.
O governo estava mais preocupado com a redistribuição das rendas do que com modernização da economia. O kremlin e o setor privado, optaram pela obtenção de lucros rápidos em vez de investimentos a longo prazo. Em 2009, a meta do governo ainda era a de minimizar as consequências políticas da crise financeira, quando o importante seria tornar a economia mais competitiva.
O único caminho que a Rússia deve seguir é o da reestruturação da económica, para recuperar a confiança dos mercados. Há vinte e cinco anos atrás, esta transição foi possível pelo colapso da União Soviética e da mudança no Kremlin.
Kudrin numa mensagem implícita a Putin, argumenta que esta crise deveria ser gerenciada sob a mesma presidência, mas com outro governo. Putin não está convencido, e enquanto pondera as suas opções, a economia continua a deslizar, e as televisões não dizem nada.