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A I Guerra Mundial foi uma catástrofe que abalou o mundo, e principalmente a Europa, no início do século passado. Porém o grande conflito deixou profundas marcas, havendo ainda países a pagar pesadas dívidas contraídas no tempo da guerra. Descubra como e porquê.

Passaram-se já mais de 100 anos desde o início da I Guerra Mundial, conflito que durou quatro anos e colheu a vida de mais de seis mil soldados por dia. Este ano vários países europeus já começaram a assinalar o centenário, e a Torre de Londres, visível na imagem acima, engalanou-se com papoilas para prestar um sentido tributo aos homens que perderam a vida.

A escala da I Guerra Mundial foi algo sem precedentes a vários níveis, incluindo o custo para a suportar. Na verdade, vários dos países envolvidos ainda têm dívidas contraídas durante a guerra.

Grã-Bretanha

Esta semana, o Reino Unido anunciou que irá pagar 218 milhões de libras (291 milhões de euros) dos dois mil milhões de libras de dívidas incorridas durante a guerra. Para apoiar o financiamento da I Guerra Mundial, em 1917 foram disponibilizadas ao público Obrigações Nacionais de Guerra, apoiadas por campanhas publicitárias de teor patriótico e uma atrativa taxa de juro (para a altura e até para os dias que correm) de 5%. Como resultado, cerca de três milhões de britânicos compraram a dívida.

Dez anos mais tarde, os títulos foram refinanciados a 4% por Winston Churchill, na forma de crédito consolidado. Face às enormes restrições financeiras colocadas pela Grande Depressão, o chanceler Neville Chamberlain voltou a recorrer ao patriotismo para converter alguns dos “Consolidados 4%” em obrigações perpétuas, que dão ao emitente o direito a nunca reembolsar o capital desde que os juros continuem a ser pagos – juros que ele cortou para 3,5%. O governo britânico tem vindo a pagar cerca de 136 milhões de libras anuais aos detentores de obrigações perpétuas e de créditos de guerra, e calcula que já pagou 1,26 mil milhões de libras desde 1927. Ainda assim, estima-se que a Grande Guerra custou aos cofres do Reino Unido cerca de 3,25 mil milhões de libras.

A Grã-Bretanha pode agora refinanciar os “Consolidados 4%” com termos mais favoráveis para o contribuinte, e assim vai pagar uma ínfima parte da sua dívida total em fevereiro – pela primeira vez em 67 anos. Estão registados 11200 detentores destas obrigações, com 92% a deterem títulos cujo valor não ultrapassa as 10 mil libras.

Incrivelmente, parte das dívidas que foram pagas no início do ano remontam ao século XVIII, uma vez que os créditos consolidados a 4% foram utilizados para refinanciar dívidas ainda mais antigas.

“Em 1853, o então chanceler Gladstone consolidou, entre outras coisas, o stock de capital da South Sea Company referente a 1711, que tinha colapsado com a infâme crise financeira de 1720, conhecida como a South Sea Bubble”, revelou o Tesouro do Reino Unido.

E o chanceler George Goshen converteu obrigações originalmente emitidas em 1752, e posteriormente utilizadas para financiar as Guerras Napoleónicas e da Crimeia, bem como o Ato de Abolição da Escravatura de 1835.

Tudo isto consiste numa boa “premonição” para pagamento da dívida incorrida pelo Reino Unido para financiar a invasão do Iraque em 2003.

Alemanha

A 3 de outubro de 2010, a Alemanha acabou finalmente de pagar toda a sua dívida referente à I Guerra Mundial. O total? À volta de 269 mil milhões de marcos, ou cerca de 96 mil toneladas de ouro.

As reparações foram parte das várias cláusulas humilhantes impostas pelo Tratado de Versalhes no seguimento da derrota alemã. A França foi a grande promotora destas cláusulas, justificando-se com os danos sofridos durante a guerra e também com o receio de que sem o peso desses pagamentos, a Alemanha pudesse rapidamente reerguer o seu poderio militar e voltar a atacar.

O Reino Unido enviou um certo economista, John Maynard Keynes, como o principal representante do Tesouro Britânico na Conferência de Paz de Paris. Ele demitiu-se em junho de 1919 em protesto contra a escala das indemnizações exigidas.

“A Alemanha não será capaz de formular uma política correta se não se conseguir financiar”, referiu Keynes.

O economista revelou-se bastante presciente com esta afirmação, já que mais tarde Adolf Hitler e o seu Partido Nazi aproveitaram o ódio popular contra o Tratado de Versalhes para chegarem ao poder. No seguimento da Grande Depressão de 1929, a dívida alemã foi reduzida para 112 mil milhões de marcos, a serem pagos durante um período de 59 anos. Não que isso interessasse, uma vez que Hitler suspendeu os pagamento em 1933.

Em 1953, após o final da II Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental concordou em liquidar a dívida anterior à II Guerra, e em contrapartida seria autorizada a esperar até à reunificação para pagar 125 milhões de euros em juros pendentes de 1945 a 1952. Em 1990, o muro de Berlim caiu e a Alemanha começou a saldar esses juros – o último dos quais foi pago em outubro de 2010, no 20º aniversário da reunificação.

Uma das lições da II Guerra Mundial prende-se com as consequências de reprimir uma nação perdedora com enormes dívidas.

“Após a II Guerra, eles decidiram enforcar os líderes mas não punir a nação”, afirmou à BBC Mark Harrison, professor de economia na Universidade de Warwick. “Contudo, na I Guerra Mundial aconteceu o aposto”, concluiu.

Estados Unidos

Como referiu Matt Phillips, da Quartz, os Estados Unidos praticamente não tinham qualquer dívida até ao início da I Guerra Mundial – em 1916, apenas 2,7% da economia era referente a dívida. O surto da dívida associado com a I Guerra Mundial foi largamente financiado pela venda de obrigações ao público norte-americano e, logo depois, os Estados Unidos atingiram um novo recorde do rácio da dívida sobre o PIB de cerca de 33%, com mais de 25 milhões de dólares em dívida.

Os EUA entraram na guerra apenas em 1917, mas posteriormente grande parte das movimentações financeiras estiveram relacionadas com esta superpotência emergente. Nos anos 20, no rescaldo da guerra, a Alemanha Weimar enfrentou a hiperinflação e esteve à beira do colapso sob o peso dos pagamentos da dívida de Versalhes. A guerra deixou um curioso problema – tanto o Reino Unido como a França tinham uma enorme dívida para com os Estados Unidos, mas não a podiam pagar pois, por sua vez, também tinham a receber enormes quantias da Alemanha, que se encontrava falida.

Assim, a solução para esta situação foi arquitetada pelo futuro vice-presidente norte-americano Charles Dawe, que, em 1924, propôs que os EUA emprestassem dinheiro à Alemanha para financiar os pagamentos de indemnização à França e Reino Unido, que por sua vez usariam o dinheiro para liquidar as suas dívidas de guerra. A solução foi tão bem recebida que Dawes foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz no ano seguinte. E o plano funcionou.

“Com uma combinação de superavit de orçamento, despesas especificamente direcionadas para saldar a dívida, e pagamentos vindos dos perdedores da guerra, os EUA registaram um progresso significativo na redução da dívida”, afirmou Phillips. “Em 1930, esta tinha caído em mais de 9 mil milhões de dólares, uma redução de mais de um terço.”

Os empréstimos a 25 anos à Alemanha visionados por Dawes pagaram juros a 7%. Os investidores americanos estavam ansiosos por se envolverem… até Hitler ter faltado aos pagamentos.

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