As reservas mundiais de hélio estão a ir pelos ares
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O hélio existente no mundo está progressivamente a escapar para fora da atmosfera por isso aqueles balões que compramos nas feiras serão uma preciosidade num futuro próximo. Que dinâmica estará a provocar a escassez de hélio?

Compre um balão no jardim zoológico. Largue-o e veja-o encolher até se tornar um ponto minúsculo e depois desaparecer para a estratosfera. Ou este balão vai voar muito alto e rebentar, ou vai vazar lentamente o seu conteúdo mais leve que o ar. De qualquer forma, eventualmente, o hélio no interior do balão vai escapar e fazer o seu caminho para fora da atmosfera. O hélio da Terra está, literalmente, a ir pelos ares.

Este é o futuro da maior parte do hélio do mundo ao longo dos próximos 100 anos, dizem os cientistas. Este é o destino de um gás mais leve do que o ar – a força gravitacional da Terra simplesmente não pode prendê-lo.

A crosta terrestre emite algum hélio, mas a atmosfera perde-o rapidamente. O hélio na nossa atmosfera é bastante estável a 5,2 partes por milhão. Extrair essa pequena quantidade do ar seria muito caro. O hélio que pode comprar e usar é extraído de reservas de gás natural, principalmente nos Estados Unidos. Depois de ser extraído e utilizado – seja para balões de festa, ou aparelhos de ressonância magnética, ou foguetes, ou para fazer crescer cristais para wafers de silício – a maioria faz o seu caminho para cima, e para longe.

À medida que o armazenamento de hélio começar a diminuir, os preços já começaram a subir, e os balões de festa estão a ficar atrás das aplicações mais sérias do gás. Daqui a cem anos, um balão de festa pode ser tão precioso como um anel de ouro.

Apesar do facto de que a ciência sabe sobre a escassez iminente de hélio há décadas, esta só foi notícia nos últimos cinco anos. O porquê tem muito a ver com a história política complicada do hélio nos Estados Unidos.

Como é que chegámos até aqui?

O filho de Hélios à boleiana carruagem do pai

Em 1868, a existência de hélio foi detetada pela primeira vez como uma linha na assinatura espectral da luz do sol num eclipse solar. Foi chamado "hélio" em honra do deus grego Hélios, que trazia o sol através do céu todos os dias na sua carruagem dourada. O gás foi isolado pela primeira vez pelo químico escocês Sir William Ramsay, em 1895. No mesmo ano, os químicos suecos Per Teodor Cleve e Abraham Langet descobriram o gás de forma independente, e recolheram o suficiente para determinar seu número atómico: 2.

O Hélio está presente no espectro de energia do sol, porque este é uma bola gigante de gás hidrogénio e hélio. Este tem uma atração gravitacional tal que no centro os átomos de hidrogénio (que têm um protão) são fundidos e tornam-se átomos de hélio (que tem dois protões). Este processo é conhecido como fusão nuclear, e gera energia – montes dela. Suficiente para que possamos ver a luz do sol, e sentir o seu calor, a quase 100 milhões de milhas de distância. No entanto não recebemos nenhum do seu hélio. E o hélio isolado pela primeira vez por cientistas foi o subproduto da dissolução do mineral uraninite em ácido, um processo que era tanto radioactivo como caro.

Então, em 1903, uma plataforma de petróleo no Kansas produziu um géiser de gás inicialmente decepcionante não inflamável. O gás foi levado para um laboratório para análise e determinou-se que era 1,8% hélio – uma concentração muito mais elevada do que a que se encontra na atmosfera. Engenheiros começaram a examinar o gás de poços em todo o país, e como resultado os cientistas escreveram em 1906, "o hélio já não é um elemento raro, mas um elemento comum, existente em quantidade considerável para usos que ainda estão para ser encontrados para ele."

Por que é que o hélio é muito melhor do que o hidrogénio para dirigíveis

Agora que se tinha tornado comum, o hélio era uma escolha natural para encher balões de borracha e zepelins, que eram previamente preenchidos com hidrogénio também flutuante, mas altamente combustível. Mas este não era nada comum fora dos Estados Unidos, e o governo procurou mantê-lo assim. Em 1925, o Congresso estabeleceu a Reserva Natural de Hélio dos Estados Unidos como uma reserva estratégica de hélio para dirigíveis militares e comerciais. A Lei de Controlo de Hélio de 1927 proibiu a exportação de hélio. Como resultado, os dirigíveis e zepelins estrangeiros, como o Hindenburg estavam cheios de hidrogénio, resultando no infame desastre.

Foram logo descobertos outros usos importantes para o hélio. Além de ser mais leve que o ar, o hélio tem um ponto de ebulição extremamente baixo: 4,22 Kelvin, ou -452,07 graus centígrados, o mais baixo de todos os elementos. Isso acaba por ser muito útil, porque se o pudermos manter no estado líquido, temos um excelente refrigerante. Quando um líquido ferve, permanece no seu ponto de ebulição, desde que permaneça líquido – nunca fica mais quente. A água nunca excede os 212 graus, e o hélio líquido nunca ultrapassa os -452 graus. O hélio começou a ser usado para isolar a soldadura de arcos, e, mais tarde, de supercondutores e reactores nucleares, e na criogenia. A utilização do hélio como fluido de arrefecimento é a principal utilização do hélio hoje.

Outros usos de hélio: O gás também é usado para detectar vazamentos de contenção, começando com o Projeto Manhattan, porque é um gás atomicamente minúsculo que também é inerte (estável), e penetra nos vazamentos muito rapidamente. Ele também é usado pela Homeland Security para a detecção de radiação, e em tecnologia de imagem médica.

A Reserva Nacional de Hélio

O Hélio é usado para refrigerar os ímanes numa máquina de ressonância magnética

Embora os dirigíveis cheios de hélio estejam fora de uso, a Reserva Nacional de Hélio foi preservada e expandida na última metade do século XX por causa da sua utilidade continua em operações do governo, mais notavelmente no programa espacial e no sistema de defesa da Guerra Fria.

Em 1996 havia um bilhão de metros cúbicos de hélio na Reserva. Mas esta deixou de parecer uma indústria com que o governo ainda devesse estar envolvido, em parte porque as suas finanças tinham sido muito mal geridas. Do Washington Post:

“Por volta de 1996 [...] a Reserva de Hélio parecia um desperdício. Os dirigíveis já não pareciam tão vitais para a defesa da nação e, mais importante, a reserva tinha $1,4 mil milhões em dívida depois de pagar a perfuradores para extrair hélio a partir do gás natural.”

Ambos Reagan e Clinton prometeram acabar com a reserva, e em 1996 o Congresso aprovou a Lei da Privatização do Hélio. A Lei ordenou que a Reserva vendesse as suas ações, a partir de 2005, a um preço adquirido por uma fórmula – não leiloadas à taxa de mercado – e que suspendesse as vendas e encerrasse as operações até 2015.

Macy’s Day Parade Balloon, por Anthony Quintano

Isto inundou o mercado e levou dramaticamente o preço do hélio para baixo. E, argumentaram os conservacionistas, aumentou drasticamente o consumo.

"Como resultado da referida lei, o hélio é muito barato e não é tratado como um recurso precioso", disse o vencedor do prémio Nobel, Robert Richardson, em 2010. "Está a ser desperdiçado. [...]não podiam vendê-lo rápido o suficiente e o preço mundial para o gás hélio é ridiculamente barato."

De um artigo no The Independent:

“O Professor Richardson acredita que o preço do hélio deve subir entre 20 e 50 vezes, para que a reciclagem valha a pena. A Nasa, por exemplo, não faz nenhuma tentativa para reciclar o hélio que é usado para limpar os tanques de combustível de foguetões, um dos maiores usos do gás. O Professor Richardson também acredita que os balões de festa cheios de hélio são muito baratos, e que na realidade deviam custar cerca de $100 (£ 75) para reflectir a natureza preciosa do gás que contêm.”

Com as taxas atuais de consumo, Richardson estima que se devem esgotar as reservas de hélio do mundo dentro de 100 anos.

Além disso, em vez de incentivar a participação do sector privado na produção de hélio, a venda da Reserva Nacional de Hélio fez exatamente o oposto. O hélio tornou-se tão barato que ninguém viu qualquer necessidade, nem lucro, em extrai-lo eles mesmos. À medida que 2015 se aproximava, os cientistas deram o alarme que, se a Reserva Nacional de Hélio for fechada de acordo com o plano, não haverá nada para a substituir. Os Estados Unidos ainda são o líder mundial na produção de hélio, produzindo cerca de 70% do hélio no mundo, o que significa que uma escassez nos EUA pode causar problemas em todo o mundo.

2013 viu a passagem da lei Helium Stewardship, que permitiu que a Reserva Nacional de Hélio continue as operações até 2021, e que venda o seu hélio em leilão – criando preços mais perto da taxa de mercado. Mas não antes de se vender uma grande parte da Reserva por migalhas.

O hélio hoje

Mesmo que a venda em leilão, eventualmente, resolva o problema dos preços, isso nunca vai mudar o facto de que o hélio não é um recurso renovável. A Reserva Nacional prevê estar esgotada até 2020, e mesmo se não estiver, nos termos da lei atual terá de encerrar as operações em 2021. Nesse meio tempo, o mundo está a lutar para encontrar refrigerantes alternativos, e novas fontes de hélio.

"Até ao final da década," escreve a USGS no seu relatório de 2015 sobre o hélio, "instalações internacionais de extração de hélio tendem a tornar-se a principal fonte de abastecimento para os utilizadores de hélio no mundo. Expansões das instalações foram concluídas como previsto na Argélia e no Qatar." A China também planeia recolher hélio-3, que é atualmente fabricado na sua maioria, ao largo da lua.

Diferentes utilizadores, encorajados pela subida dos preços, começaram a experimentar fazer a reciclagem do seu hélio. Dependendo de quão bem a sinergia destes esforços funciona, podemos estar mais perto ou mais longe do dia em que um bouquet de balões de hélio é visto como um frívolo luxo anacrónico – como as teclas de piano de marfim, ou talheres feitos verdadeiramente de prata.

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