Como provar o que quer que se queira
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A estatística é uma ciência com séculos de história. Mas pode também ser uma poderosa ferramenta de retórica. Descubra como os dados estatísticos podem ser postos ao serviço de qualquer argumento.

Aconteceu uma coisa engraçada durantes as eleições presidenciais de 2008.

As sondagens por telefone feitas antes das eleições norte-americanas mostraram que os eleitores estavam mais inclinados para votar em John McCain. No entanto, como é sabido, os resultados das eleições levaram Barack Obama para a Casa Branca.

O que terá acontecido? Nenhuma sondagem por telefone é perfeita, mas as sondagens de 2008 tiveram uma tendência única: muitas pessoas efetuaram as chamadas por telefone fixo, evitando o uso de telemóvel.

Isso arruinou toda a sondagem. Tal como escreveu Nate Silver depois das eleições:

“Aproximadamente um terço dos americanos que utilizam exclusivamente o telemóvel são jovens, mais urbanos, têm poucas condições financeiras e são de etnia negra ou hispânica quando comparando com o grupo principal de eleitores; todas as características que se correlacionam com as votações democráticas”.

O ideal seria as sondagens eleitorais contatarem todos os eleitores individualmente. Mas isso seria um trabalho muito difícil e dispendioso. Por isso, utilizamos uma pequena amostra e consideramo-la como representante da média.

Infelizmente, muitas vezes isso não acontece. Uma amostra que seja tendenciosa ou muito pequena é um dos maiores receios em estatística. Esse tipo de amostra cria médias que não existem e fazem-nos publicar tendências que não correspondem à realidade – tudo com a desculpa de “Hey, olha, são dados!”

Este é um aspeto importante a ter em conta quando se pensa em mercados ou economia. Porque esta é a verdade:

Não temos uma amostra muito boa para nos basearmos.

Já existiram 33 recessões nos Estados Unidos nos últimos 156 anos, um período que começa antes da Guerra Civil. O que não é um número muito grande. E os dados que temos sobre estas recessões são duvidosos. Por exemplo, as estimativas sobre quantas vezes a economia contraiu durante a recessão de 1920 rondam os 2,4% e os 6,9%, o que corresponde à diferença entre uma recessão moderada e uma fase quase de depressão. Nos últimos 50 anos, quando os dados são mais fiáveis, houve apenas sete recessões nos Estados Unidos.

Assim, como podemos levar a sério qualquer estatística que se faça para calcular a média de recessões? Quanto tempo duraram em média as últimas recessões? Quantas vezes ocorrem? Quanto sobe o desemprego? Estamos a falar sobre algo que aconteceu só sete vezes na última metade do século passado. Tal como acontece com as sondagens eleitorais, estas médias não podem ser levadas muito a sério. Esta não é uma boa amostra – neste caso é simplesmente muito pequena.

Duas pessoas e meia

Houve duas guerras mundiais nos últimos 100 anos. Mas nunca ninguém diria que “a guerra mundial média dura cinco anos”, ou “a guerra mundial média mata 60 milhões de pessoas”. Nunca ninguém diria que já devíamos ter tido uma terceira guerra, tendo em conta as tendências anteriores. É óbvio que duas guerras não são suficientes para se criar uma média que nos diga como poderá ser a próxima guerra ou quando irá ocorrer.

O mesmo se passa com a volatilidade do mercado. Desde 1928 que o índice S&P 500 teve por nove vezes uma queda de 30% ou mais e por três vezes uma queda de 50%. Três! Não está nem perto de ser suficiente para definir uma média da queda dos mercados. Contudo, existe uma tendência – uma pela qual eu caí – para olhar para as quedas de mercado anteriores e usá-las como guia para expetativas futuras.

Não existe nenhuma resposta fácil para isto. “Ter mais dados” nem sempre ajuda, pois os mercados mudam com o tempo enquanto os alhos estão a ser comparados com os bugalhos.

O índice S&P 500 não incluía patrimónios financeiros até 1976; atualmente, os patrimónios chegam aos 16% no índice. As ações de tecnologia eram inexistentes há 50 anos atrás. Atualmente representam um quinto do índice. As regras de contabilidade também sofreram alterações com o tempo. Assim como as divulgações de informações, a auditoria e a liquidez do mercado. O 401(k) e as contas de retirada – que contêm biliões de dólares – não existiam há 40 anos atrás. Comparar o mercado dos dias de hoje com o do passado é quase como comparar alhos com bugalhos.

Alterar a amostra de estudo pode dar resultados totalmente diferentes, o que pode ser perigoso pois assim pode-se provar quase tudo o que se quiser.

Observe a métrica de avaliação do economista de Yale Robert Shiller, a equação PER ciclicamente ajustada. Desde 1871 que a equação tem tido uma média de 16,6, o que faz com que as probabilidades de 26 vezes mais ganhos do mercado dos dias hoje pareçam sobrevalorizadas. Mas desde 1957, ano em que o índice S&P 500 foi criado (Shiller utilizou uma versão hipotética na altura) a média era de 20. Desde 1990, altura em que a globalização assumiu a sua importância no mercado e as ações de tecnologia se tornaram numa parte muito importante do índice, a média é de 25,3. Assim sendo, talvez as ações não sejam assim tão sobrevalorizadas?

O que saberíamos sobre a economia e a bolsa de valores se tivéssemos 10.000 anos de dados perfeitos, irrepreensíveis e sempre numa base regular?

A minha opinião é que quase tudo o que pensamos saber sobre o nível médio das recessões, a média de quedas de mercado e a média dos mercados baixistas ficariam virados do avesso.

Talvez descobríssemos que os últimos 100 anos de lucros elevados da bolsa de valores foram por acaso. Ou anormalmente baixos devido à ocorrência de duas guerras mundiais. Ou ainda que as grandes recessões são, na verdade, bastante comuns. Ou extremamente raras.

Não sei! Ninguém sabe. Mas estou convencido de que ficaríamos chocados.

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