A Coreia do Norte quer o seu dinheiro
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O país está a promover uma campanha em que apela ao investimento estrangeiro nas suas zonas económicas especiais. Pode parecer bizarro, mas não foi assim que começou o milagre económico da China?

No que toca a mercados inexplorados, existem muito poucos locais no mundo que ainda não tenham sido abrangidos pelo capitalismo global. O mercado recentemente aberto de Myanmar está prestes a receber um KFC e é apenas uma questão de tempo até se poder pedir um frappucino no aeroporto de Havana.

Mas para todos os investidores com espírito de Indiana Jones que por aí andam, nada temam. Ainda resta o Estado intocável, com poucos recursos financeiros e profundamente sancionado da Coreia do Norte.

E os norte-coreanos estão desejosos pelo seu dinheiro.

A prova disso é o vídeo promocional que lançaram recentemente em que tentam persuadir investimento para as zonas económicas especiais – ou, tal como a tradução do vídeo refere, as suas zonas económicas “peculiares”.

Lançado pela “Voz da Coreia” – a resposta da Coreia do Norte à “Voz da América” – o vídeo apresenta música eletrónica, luzes intermitentes e imagem de baixa qualidade técnica de uma sala de karaoke de Pyongyang. O vídeo que foi lançado no fim-de-semana é uma versão editada de uma apresentação publicada em 2013.

“O governo da República Popular Democrática da Coreia tem feito esforços para estabelecer e evoluir zonas de desenvolvimento económico únicas, com o objetivo de desenvolver a economia do país e melhorar a vida material e cultural do seu povo”, pode-se ler nas legendas que surgem com uma fotografia da estátua de Chollima, o mítico Pégaso coreano.

A lenda diz que o Chollima era tão rápido que podia fazer centenas de quilómetros por dia, o que levou Kim Il Sung, o presidente fundador da Coreia do Norte, aproveitou-se dessa ideia para encorajar o seu povo a trabalhar o seu máximo – à “velocidade do Chollima” – para reconstruir o país devastado pela guerra da Coreia.

O vídeo continua mencionando as considerações do costume para investidores estrangeiros, tal como o quadro jurídico – até mostra uma cópia da Constituição, algo que parece ser muito importante para o dia-a-dia de um norte-coreano.

“Temos leis relativas a essas zonas económicas especiais”, diz Hong Chol Hwa, diretor do Instituto das Leis sob a Academia das Ciências Sociais no vídeo.

“Impusemos uma base jurídica para garantir os direitos e os interesses legítimos dos investidores estrangeiros através de regras para execução das leis”.

Tal como os investidores gostam de certezas jurídicas, tendem a detestar de igual modo os impostos.

“A política fiscal é do interesse de todos os empresários”, continua o vídeo, mostrando uma fotografia do regime fiscal escrito em coreano onde expõe detalhadamente os impostos sobre os rendimentos, o imposto de transações e o imposto sobre os recursos.

“São menos do que o tipo de impostos cobrados noutros países e as taxas fiscais são muito baixas”, é afirmado no vídeo.

O imposto sobre lucros brutos é de 14%, mas se for em setores “encorajados” é de 10%.

“As zonas económicas especiais da RPDC estão a atrair as atenções de todo o mundo” refere o vídeo enquanto vai mostrando indústrias de transformação de pescado, maquinaria pesada tal como camiões basculantes e alguns turistas ocidentais felizes.

É verdade que as SEZ (Zonas Económicas Especiais) da Coreia do Norte estão a atrair alguma atenção. Representam uma das poucas partes da economia onde parece haver algum movimento.

Kim Jong Un, que tomou a liderança da Coreia do Norte do seu pai no final de 2011, fez do “byungjin” – a ideia de que a Coreia do Norte pode perseguir o crescimento económico e as armas nucleares ao mesmo tempo – a sua principal prioridade.

Pelo menos, tem dado a aparência de progresso na frente militar – recentemente declarou que a Coreia do Norte lançou um míssil balístico submarino e tem diminuído ogivas nucleares, apesar de existir algum ceticismo particularmente em relação à última declaração.

Também tem sido visto a supervisionar uma quantidade de políticas económicas experimentais, incluindo o apoio aos agricultores para venderem os seus produtos e criar mais de uma dúzia de SEZ. Até ao momento, quase toda a ação que houve foi chinesa.

“Estas zonas, com várias funções pretendidas e regulamentos aparentemente convenientes para os estrangeiros, assinalam não só uma vontade de explorar as opções políticas, mas também ilustram de um forma clara os desafios de desenvolvimento que a RPDC continua a enfrentar e a perpetuar”, escreveu Andray Abrahamian num relatório para o U.S.-Korea Institute que foi publicado no ano passado.

Como parte do Choson Exchange, um programa de formação empresarial, Abrahamian visitou algumas dessas zonas económicas especiais da Coreia do Norte.

“Embora muitas delas estejam a debilitar-se por serem subfinanciadas e desconetadas, um punhado delas serão posicionadas para atrair investimento moderado caso a Coreia do Norte melhore as relações que tem com os seus países vizinhos”, escreveu ele no relatório. “Além disso, vão abrir locais onde poderão ser aplicadas mais políticas experimentais, incluindo talvez regras sobre acesso à internet, direitos à propriedade ou até procedimentos de imigração.”

A Coreia do Norte também tem organizado eventos de comércio como o focado em commodities em Dandong, a cidade fronteiriça chinesa, no ano passado e a feira comercial internacional de Pyongyang no mês passado.

As SEZ da Coreia do Norte têm uma história atribulada

Rason, abreviatura para Raijin-SonBong, foi primeiramente estabelecida como a zona de comércio livre em 1991, criada à imagem da cidade de Shenzen na China, mas o projeto não foi bem-sucedido.

O parque industrial Kaesong, um projeto intercoreano no qual os norte-coreanos trabalham em fábricas sul-coreanas localizadas na zona norte da fronteira, tem sido amaldiçoado com problemas, mais recentemente sobre questões de disputa salarial.

Mas no vídeo, o país salienta as zonas que muitos analistas estrangeiros consideram mais fiáveis – a zona Rason na fronteira onde a Rússia e a China se encontram com a Coreia do Norte, duas zonas no ponto mais a sul ao longo da fronteira com a China e mais uma em Sinuiju, diretamente através do rio do lado norte-coreano. Também há, tal como o vídeo mostra, a “Zona de desenvolvimento de última tecnologia de Unjong” em Pyongyang.

“As zonas de desenvolvimento foram selecionadas em regiões favoráveis das províncias para que se possa desenvolver a fundo a economia do país”, afirma no vídeo Ri Chol Sok, diretor do Comité de Desenvolvimento do Estado Económico.

Algo que não está incluindo no vídeo: as sanções internacionais que tornam extremamente difícil movimentar dinheiro tanto para dentro como para fora da Coreia do Norte, o que leva a supor que os norte-coreanos estão dispostos a permitir que os investidores retirem lucros.

A Orascom, a empresa de telecomunicações egípcia que iniciou a rede telefónica móvel na Coreia do Norte, aparentemente congelou todos os seus investimentos feitos no país por não poder transferir lucros para o seu país.

O que também não foi mencionado no vídeo é o facto de as duas maiores zonas na fronteira estarem estagnadas devido a tensões com a China resultantes da decisão de Kim Jong Un executar o seu tio Jang Song Taek, que era o impulsionador principal das negociações chinesas.

Outra coisa que falta no vídeo: a eletricidade é normalmente considerada uma produto desejável, independentemente da empresa onde se encontre. No entanto, os relatórios lançados pela Coreia do Norte, que é maioritariamente dependente de energia hidráulica, sugere que depois de um inverno seco, os cortes de energia são piores do que o normal, até mesmo na capital.

Embora os valores duvidosos da produção do vídeo e a aparente loucura em investir o seu dinheiro num local onde a maioria dos “consumidores” enfrentam repressões severas e trabalham no duro para poderem alimentar a família, existem algumas razões para pensar que a apresentação da Coreia do Norte atraia algum interesse.

Ruediger Frank, um alemão perito em economia norte-coreana que estudou em Pyongyang durante um semestre e visitou a zona Rason no final do ano passado, apelidou o nível do comércio lá de “simplesmente alucinante”.

Uma loja de souvenir na "zona económica especial"

Num relatório que escreveu para o 38 North, descreveu ter visto mercados em que bancas sem licença vendem cigarros; vendedores de fruta oferecem ananases, bananas e uvas importadas e um banco regular que faz trocas de moeda segundo as “taxas de juros do mercado negro” em vez das taxas oficiais do estado.

Entretanto, Adam Cathcart, que é professor na Universidade de Leeds em Inglaterra, tem mantido debaixo de olho as zonas ao longo da fronteira chinesa perto de Dandong.

A China parece concordar com a nova estratégia SEZ da Coreia do Norte na região fronteiriça com um pouco de relutância em permanecer envolvida com o seu cliente errante, escreveu num jornal no ano passado, depois da execução de Jang.

“Os chineses esperam que as reformas na Coreia do Norte não sejam tão centradas no desejo de Kim Jong-un começar coisas, mas para Kim Jong-un simplesmente seguir as iniciativas positivas que começaram em 2010, ou, nalguns casos, em 2002”, escreveu Cathcart.

A China investiu cerca de $354 milhões para construir uma nova ponte que ligasse a zona da Coreia do Norte – mas até agora, o país tem recusado construir a estrada que faz a ligação da ponte às suas estradas, aparentemente com esperança de que a China também a construísse.

Algumas leis que foram atualizadas em 2013 com o intuito de tentar encorajar o investimento nestas SEZ, permitem um arrendamento de terreno por um período de 50 anos, assim como o “direito de comprar, vender, voltar a arrendar, doar ou herdar o direito de utilização do terreno e construir propriedades”.

Contudo, tal como aconteceu com leis anteriores, existe o que Abrahamian chama de “ambiguidades problemáticas”.

A mais impressionante é talvez o Artigo 7: “O estado não pode nacionalizar ou expropriar a propriedade dos investidores. Se, por circunstâncias inevitáveis, a propriedade do investidor tiver de ser expropriada ou utilizada temporariamente para interesse público, deverá ser feito atempadamente uma notificação assim como deve ser dada uma compensação proporcional o suficiente ao valor da dita propriedade.”

Ou seja, dizendo isto por outras palavras: Nós não vamos tirar-vos a vossa propriedade a menos que tenhamos mesmo de o fazer, e depois logo decidimos se vos pagamos alguma coisa por isso a determinada altura. Sinceramente, isto é muito desencorajador para os investidores.

Oportunidades para os financeiramente aventureiros

“A Coreia do Norte costumava ser chamada do país mais isolado do mundo. Agora já não,” diz Paul Tija, um holandês que exporta produção de roupa para empresas europeias de fábricas norte-coreanas.

Numa conferência na Coreia do Sul dedicada ao investimento no Norte, Tija mostrou fotografias do interior das fábricas e disse que as costureiras norte-coreanas são de classe mundial e as suas encomendas são sempre entregues atempadamente.

Ou, tal como o famoso investidor altista americano Jim Rogers disse:

“Se eu pudesse, punha todo o meu dinheiro na Coreia do Norte. Estão a acontecer lá mudanças radicais.”

Isto pode ser um exagero, mas para algumas pessoas, a perspetiva de quebrar esta última fronteira financeira é atraente. E para Kim Jong Un, isso significa apenas uma coisa: carcanhol.

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