Um paper recente sugere que existe informação nos balanços e declarações de rendimento das empresas, acessíveis a todos, que não está a ser totalmente incorporada nos preços de mercado
Eugene Fama e Richard Thaler, dois professores de finanças da Universidade de Chicago, tiveram recentemente um debate quanto à eficiência dos mercados. Tendo a concordar com Fama: a hipótese dos mercados eficientes não é rigorosamente verdadeira mas é uma ótima base para pensar sobre os mercados.
No entanto, existem alguns buracos na hipótese dos mercados eficientes que vão além dos problemas que os dois levantaram. Um é o sucesso persistente de investidores que se baseiam na análise fundamental – a técnica de realizar apostas quanto ao verdadeiro valor das empresas considerando as respetivas declarações financeiras.
A chamada forma semi-forte da hipótese de eficiência dos mercados diz que os preços de mercado já refletem toda a informação publicamente disponível. Por outras palavras, alcançar lucro só de se considerar a declaração de rendimentos das empresas e respetivos balanços deverá ser impossível, a menos que o mercado seja disfuncional.
Essa tese contradiz alguns dos conselhos clássicos de investimento. O livro de Benjamin Graham e David Dodd, Security Analysis, tem sido a bíblia de muitos investidores por quase um século. Titãs do investimento como Warren Buffett fizeram as suas fortunas recorrendo a técnicas baseadas nos seus princípios. Como Buffett explicou em 1984, um mercado eficiente não teria permitido esse tipo de sucesso:
"Buffett... Apresenta nove diferentes fundos que superaram as médias do mercado por longos períodos, partilhando apenas duas qualidades: estratégia de valor e uma ligação pessoal a Buffett." Enfatiza que não foram colhidos com o benefício da retrospetiva e acrescenta: “aqueles que leem Graham e Dodd irão continuar a prosperar.”
Verifica-se análise fundamental se dois aspetos forem reais.
- Em primeiro lugar, o mercado terá de negligenciar aspetos importantes quanto ao valor de uma empresa – aspetos que possam ser observados ao examinar-se cuidadosamente informação publicamente disponível.
- Em segundo lugar, o mercado terá de eventualmente perceber o verdadeiro valor da empresa.
Este segundo momento é importante pois se o mercado não acompanhar, poderá ter de manter a ação por um longo período de tempo para garantir lucro dos dividendos e da recompra de ações. Se o mercado acompanhar, mesmo que lentamente, poderá obter os seus lucros num ou dois anos – muito importante se estiver a gerir um fundo e precisar de apresentar ganhos anuais.
Não existe razão para a análise fundamental ser restrita às técnicas de investimento e valor descritas por Graham e Dodd. Em principio, qualquer técnica que extraia consistentemente informação valiosa mas não reconhecida de balanços, declarações de rendimentos e semelhantes conta como grande violação do princípio dos mercados eficientes. Contudo, entretanto, um conjunto de novos economistas financeiros tem um novo paper a mostrar que uma técnica de análise fundamental geral e muito simples – talvez ainda mais universal que a teoria de Graham e Dodd – prevê consistentemente a forma como o preço de uma ação irá mudar durante os próximos dois anos. Se o resultado se mantiver, será um grande golpe para o lado de Eugene Fama.
Sohnke Bartram e Mark Grinblatt pegaram em algumas ações e correlacionaram o valor das ações com os 14 itens mais comummente relatados nos balanços das empresas e com os 14 itens mais comummente relatados nas suas declarações de rendimentos. Foi tudo. Uma simples análise de regressão. De seguida pegaram nos resultados da regressão e utilizaram-nos para prever qual seria a capitalização de mercado “justa” para cada ação. Se uma empresa tivesse uma capitalização de mercado acima do valor “justo” previsto pela regressão, era julgada como sobrevalorizada. Se abaixo, era julgada como subvalorizada.
Os autores olharam de seguida para anos subsequentes para ver o que teria acontecido se tivessem negociado com base nessas indicações de sobrevalorização e subvalorização. Concluíram que ao fazê-lo teriam alcançado retornos de cerca de 4% a 9% ao ano, depois de contabilizados todos os fatores de risco padrão. É um lanço robusto. Durante um período um pouco inferior a dois anos, cada ação tendeu a convergir para o valor justo previsto pela regressão, gerando lucros para quem seguiu o método dos investigadores. Assim como os defensores da análise fundamental poderiam prever, o mercado parece errar mas acaba por corrigir os erros ao longo do tempo.
Se este resultado se mantiver – ou seja, se Bartram e Grinblatt não tiverem cometido um grande e crítico erro no seu procedimento estatístico – então é um golpe muito sério quanto à ideia de que os mercados tiram vantagem de toda a informação publicamente disponível. Significa que existem peças de informação nos balanços e declarações de rendimento das empresas, acessíveis a todos, que não estão a ser totalmente incorporadas nos preços de mercado até quase dois anos depois de surgirem. O que quer que essa informação seja, estes cálculos sugerem que está disponível.
É claro que a hipótese dos mercados eficientes pode rir por último. Como acontece regularmente, os gestores de fundos irão ler este paper e criar versões mais sofisticadas do que os professores fizeram. Irão negociar a um preço incorreto e o mesmo irá quase desaparecer, levando os proponentes da teoria dos mercados eficientes a declarar vitória.
Trata-se de algo muito grande para ter sido ignorado por tanto tempo.