A Uber é uma aplicação que se destaca pela forma inovadora como reorganizou a relação entre motoristas e clientes. Veja como os princípios que guiam a famosa aplicação podem ser aplicados a toda a realidade económica.
A “Uberização” da economia é consiste em desenvolver uma melhor rede para as ideias. Não me recordo de onde estava – provavelmente sentado na parte de trás de um táxi – quando li um tweet de Nassim Taleb, autor de ‘Antifrágil’, que dizia “Uberizar, remover o intermediário, tema do momento”.
Uberização, remover o intermediário, é a nova tendência.
Este pensamento atacou-me novamente nesta última semana, enquanto tentava encontrar algo mais interessante do que um selfie stick na Consumer Electronic Show (CES) em Las Vegas. Na economia a energia e emoção, para não mencionar as avaliações, recaem em empresas que ‘uberizam’. Embora essas empresas já não façam nada material o que fazem parece seguir uma fórmula clássica, uma tese de investimento que saiu da primeira geração de super-valorização que ocorreu na década de 1990.
Não penso na Uber como uma força que retira o intermediário – como nós mais velhos costumávamos dizer – ao transporte, mas uma força que cria valor para si mesma, os seus condutores, os seus utilizadores, desenvolvendo uma estrutura que os integra a todos com a máxima utilidade. Um programador bastante talentoso disse-me uma vez que o segredo para um serviço vencedor a nível mundial, como a Dropbox, passava por fazer algo muito, muito complicado parecer devastadoramente simples. Para mim, Uberizar significa desenvolver uma série de processos inovadores em rede – com geolocalização, pagamentos, gestão de motoristas e distribuição ativados para telemóveis – num serviço acessível através de uma app.
E isto trouxe-me de volta para o tweet de Taleb. Como Nassim é um vizinho e conhecido, um indivíduo que costumo ver discutir as suas ideias comendo uma salada ou tomando um expresso, ler os seus tweets tornou-se um monólogo interno – do tipo que parece termos cada vez mais e mais nos dias de hoje, com a ubiquidade dos smartphones e a possibilidade do tipo de conversas assíncronas que as redes sociais permitem. E Tabeb relembrou-me algo que outro amigo escreveu uma vez.
Andy Kessler foi em tempos gestor de fundos em Silicon Valley. Mudou-se para lá com uma abundante auto-confiança, em meados da década de 1990, convencido de que tinha uma tese de investimento à prova de bala. Embora nos recordemos dessa era como o início da bolha da internet – datada com carbono, utilizando a oferta pública inicial da Netscape em agosto de 1995 – fazia-se muito dinheiro, naquela altura, em hardware como unidades de CD-ROM e a primeira geração de telemóveis.
Kessler arrecadou um fundo de 70 milhões de dólares e comprou ações das empresas que tinham utilizado o truque da Dropbox, com um nível básico de engenharia, e resolveram um particular problema de forma elegante. Rotinizaram-no, patentearam-no e imprimiram-no em chips de silício passíveis de serem vendidos a fabricantes de dispositivos para consumidores como computadores, impressoras e telemóveis flip. Quando falei ao Andy para ver se a minha lembrança da tese que o tinha ajudado a tornar 70 milhões de dólares em 1.1 mil milhões de dólares em 18 meses era parecida ao que a Uber estava a fazer com a sua app ele relembrou-me que os chips tinham sido somente o início da história.
Andy não estava a investir em chips – apoiava indivíduos inteligentes que tinham encontrado uma forma de partilhar as suas inovações de forma mais barata mas mesmo assim fazendo um considerável lucro das mesmas. Os homens de Andy procuravam descobrir como aproveitar lasers para ler CD ou exibir melhores gráficos em jogos de vídeo. Hoje, passa-se o mesmo com os drones. Na CES, os fabricantes de drones mostraram como uma indústria se move, coletivamente, para a frente ao encontro de desafios e soluções. Chris Anderson, CEO da 3D Robotics, resume claramente a visão do mundo de Kessler com a indústria contemporânea:
A boa notícia da CES 2015 é que os gigantes dos semicondutores estão a investir milhares de milhões de dólares em pesquisa e (produção) e capacidade para resolver problemas que nós, a indústria dos drones, precisamos de resolver. O trabalho da Qualcomm da visão em tempo real construída no seu programa Snapdragon e o trabalho da Intel de visão no sentido real, que se trata de um chip autónomo, são iniciativas que vão impulsionar os drones do próximo ano, e estarão disponíveis a um custo e velocidade que nós, a indústria dos drones, nunca poderíamos ter feito por nossa conta.
Concentrar-se em propriedade intelectual nova e vantajosa era um sucesso pois era nessa propriedade intelectual que as margens do lucro residiam, como as empresas de chips, nas quais Andy investiu em primeiro lugar, e que em duas décadas se transformaram em empresas de design e engenharia que subcontratavam a produção.
“Os fabricantes de chips já não tinham que fazer chips” escreveu Andy num e-mail. “Em vez disso poderiam somente projetar a sua arquitetura ou função e ‘imprimir em silício’ o que significa traduzir o design num conjunto de transístores interconectados e tê-los fabricados (então) no Japão, Taiwan ou Singapura e (agora) na China. A empresa de chips seria proprietária da propriedade intelectual e não teria que investir milhões (agora milhares de milhões) numa unidade para fabricação de semicondutores que poderá durar, no total, 3 a 5 anos. Estas fundições estrangeiras construiriam e atualizariam as fábricas e depois venderiam suficientes chips ‘impressos’ para cobrir os seus custos e lucros”.
As empresas norte-americanas que desenharam os chips para resolver novos problemas venderam-nos a fabricantes por muito mais do que lhes teria custado subcontratar fábricas para produzir. Esta é uma das razões pela qual a indústria de chips americana se moveu para o estrangeiro. Como a cadeia da oferta se moveu para a margem inferior, aspetos do próprio capital intensivo no exterior, o valor continuou a acumular-se onde o trabalho mais complexo estava a ser conduzido.
O iPhone, por exemplo, é desenhado na Califórnia mas construído na China. Os lucros, mesmo aqueles com que a Apple tem feito complexa engenharia financeira para repatriar, acumulam-se na empresa norte-americana. Os Chineses, não somente os fabricantes de chips mas também os fabricantes de cada componente do telemóvel, são deixados com sobras de comida.
Justin Fox fez uma observação semelhante sobre a Samsung e o seu breve momento ao sol. Como a Apple possui a propriedade intelectual do seu ecossistema, a Apple colhe os lucros. Mas no ecossistema do Android, de que ninguém é dono (embora o Google ainda beneficie) os lucros vão para, bom, ninguém.
“É inovar a próxima coisa ou morrer” disse Kessler, consciente de que a inovação da propriedade intelectual é passageira. “Onde morrer significa reduzidas margens dos produtos de base.”
Mas quando tudo é tecnologia, nada é realmente tecnologia. A vitória da plataforma de smartphone significou que a propriedade intelectual para resolução de problemas está agora a migrar de hardware para software discreto, sob a forma de apps. Manjoo descreve esta migração através da Sonos, o sistema de música em casa que acabou por ter um CEO perspicaz.
“Hoje, o que cada cliente espera é que o seu dispositivo seja uma plataforma” disse John MacFarlane, o CEO da empresa Sonos, referindo-se a uma prática do design na qual a inteligência da máquina e o interface do utilizador são construídas com software flexível em vez de ‘cozidos’ para o hardware – permitindo, assim, futuras melhorias através de atualizações.
Kessler concorda com MacFarlane:
“Um fabricante de apps, por exemplo a Dropbox, tem uma vantagem semelhante” aos designers de chips que imprimem as suas ideias em silício, escreveu num e-mail seguinte. “É um novo paradigma que rima. Alguém escreve um código inteligente para fazer algo único combinando armazenamento e comunicações. O truque de magia é construir um negocio multi-milhões no topo dos servidores de produção, que alguém te deixa arrendar, assim como aquelas fábricas de semicondutores”.
Em vez das fábricas de construção de Taiwan temos a Amazon, a Google ou mesmo a IBM para fornecer a energia ao servidor de produção.
O problema é que a inovação só dura algum tempo. “Escolha o nome de qualquer empresa e consegue encaixá-la na propriedade intelectual gravada na estratégia dos servidores” escreveu Andy. “ A Uber é mais do que um interface para o mundo real – é código inteligente e sim, um intermediário entre pilotos e motoristas, onde despachantes se costumavam sentar.”
“Sim, a liderança é precária” continuou Kessler, lembrando-me de que toda a inovação é passageira. “É sempre. Podem a Uber e o Airbnb ser substituídos? Claro que sim, mais fácil comunicação com condutores, melhor seleção de apartamentos/casas.”
“O seu sucesso estava garantido” escreveu. “Mas agora torna-se mais difícil na medida em que outros adicionam novos recursos (boleias, etc.). É ainda propriedade intelectual a ser impressa por outros (a Apple e a Samsung fazem o trabalho pesado; assim como os motoristas de limusina/táxi) mas o valor da propriedade intelectual torna-se questionável. Tudo se resume à marca e esse tipo de coisas e menos à impressão de propriedade intelectual.”