O que rende é investir em arte soviética
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A nostalgia dos tempos da União Soviética que assola os milionários russos faz com que um investimento em obras de arte desses tempos seja incrivelmente rentável. Mas qual será o valor artístico dessas obras?

Andrey Filatov – um magnata dos transportes, russo – afirma que os trabalhos de arte do “Realismo Socialista” estão a oferecer muito maior retorno do que os de mestres como Pablo Picasso ou Paul Gauguin, e que o valor da sua coleção quase duplicou nos últimos anos, estando de momento avaliada em 500 mil milhões de dólares.

Estaline criou o Realismo Socialista por decreto, em 1931, para glorificar o comunismo através da arte. Agora os capitalistas de Vladimir Putin não se cansam do mesmo.

A procura por pintores que foram saudados em tempos pelo ditador soviético como “engenheiros da alma” nunca foi tão elevada, em parte impulsionada pelo ressurgimento do patriotismo e nostalgia na Rússia, bloqueada no mais tenso confronto geopolítico desde a Guerra Fria – o conflito da Ucrânia.

“É o mais rentável investimento que você pode imaginar.” Diz Filatov numa entrevista em Londres, onde recentemente realizou uma exposição de criações da Segunda Guerra Mundial, na Galeria Saatchi – exposição que contou com um retrato de Estaline, de 1940.

Avança ainda que as pinturas soviéticas que atualmente podem ser compradas por 1 milhão de dólares, a meio da primeira recessão da Rússia em seis anos, podem produzir um retorno “dez vezes” superior.

As vendas nos leilões semestrais de arte russa em Londres, que atraem maioritariamente licitantes russos, são as maiores desde 2008. Naquele ano, uma peça de vanguarda de Kazimir Malevich chegou aos 60 milhões de dólares norte-americanos numa venda da Sotheby, em Nova Iorque. Um preço recorde para uma obra de arte russa.

Preços recordes

A Christie, a Sotheby e a MacDougalls, especialista em leilões, que venderam juntas 95 milhões de libras (146 milhões de dólares norte-americanos) de trabalhos russos no ano passado lançam a próxima rodada segunda-feira, começando pela Christie.

Os recordes estão a cair por todo o mundo da arte à medida que os mais ricos investidores continuam mais ricos. De acordo com o índice de bilionários da Bloomberg, o top dos 400 bilionários adicionou cerca de 275 mil milhões de dólares norte-americanos de riqueza este ano – até 27 de maio – aumentando o seu valor para 4.3 biliões de dólares norte-americanos. Os 20 russos mais ricos têm um saldo ainda melhor: ganhando cerca de 15% para 210 mil milhões de dólares norte-americanos.

‘Estaline a aprovar um modelo da URSS do Pavilhão para a Exposição Mundial em Paris’, por Alexsandr Pavlovich Bubnov.

Foi vendido um Picasso por 179,4 milhões de dólares a um licitante não identificado, a 11 de maio – o maior valor para uma pintura num leilão. Um Gauguin terá mudado de mãos com um recorde de 300 milhões de dólares numa venda privada, três meses antes.

Com as obras russas dos séculos XIX e XX mais difíceis de encontrar os russos estão a ficar mais ricos por razões que não são somente comerciais – de acordo com Christina Krasnyanskaya, proprietária da galeria Moscow’s Heritage, especializada em arte e design soviético.

“Nostalgia” soviética

“A arte soviética foi esquecida durante muitos anos.” Diz Krasnyanskaya. “A tendência vai agora em direção ao tema soviético por uma questão de nostalgia.”

Embora nenhum exemplo conhecido do Realismo Soviético tinha sido vendido por mais de 5 milhões de dólares o mercado tem grandes “perspetivas” para as próximas duas décadas, diz Yury Tyukhtin, proprietário da Sovcom, casa de leilões em Moscovo.

Pelo menos um colecionador americano, Ray Johnson, estava na dianteira. Em 1989, dois anos antes de a Guerra Fria terminar com o desaparecimento da União Soviética, Johnson enviou uma equipa de historiadores e conselheiros para Moscovo à procura de obras-primas soviéticas. Detém agora a maior coleção privada de Realismo Socialista fora da antiga União Soviética, num museu em Minneapolis, de acordo com o seu website.

De acordo com o índice de bilionários da Bloomberg, Filatov, que detém pelo menos 500 milhões de dólares – sem incluir a sua coleção –, diz que planeia abrir o seu próprio museu em Londres ou em qualquer outra grande cidade no estrangeiro para aumentar a conhecimento geral sobre mestres russos desconhecidos.

Proletariado exaltado

O investidor detém participações na empresa de cargueiros ferroviários Globaltrans Investment Plc e na operadora de portos Global Ports Investments Plc. Também lidera a Federação Russa de Xadrez, outro dos seus hobbies.

O seu olho para a arte que exalta o proletariado segue o do banqueiro Alexey Ananiev, que abriu o seu próprio museu em Moscovo em 2011 para abrigar cerca de 500 das suas aquisições.

“Estas são obras-primas da arte mundial e não apenas notas que são impressas todos os dias.” Disse Farkhad Akhmedov, bilionário russo que possui cerca de 150 trabalhos de Realismo Socialista e no mês passado pagou 46.5 milhões de dólares norte-americanos por uma pintura expressionista abstrata de Mark Rothko. “Eles retratam a era soviética em que eu cresci, que nunca será repetida.”

A arte estalinista está a um mundo de distância do período de vanguarda antes da Revolução Bolchevique de 1917 – que produziu alguns dos mais aclamados pintores da Rússia, incluindo Malevich, Mikhail Larionov e Natália Goncharova.

O seu pioneiro – e agora artista mais vendido – foi Aleksandr Deyneka, cujas representações de musculados atletas femininos e masculinos encarnam o ideal soviético dinâmico. Yuri Pimenov, outro artista daquele período, é conhecido pelos seus temas “homem na cidade” que retratam moscovitas “felizes e educados”, de acordo com a Galeria Tretyakov na capital russa.

“Muito barato”

No início da década de 90 as pinturas de Deyneka ou Pimenov poderiam ser adquiridas por 5.000 a 10.000 dólares norte-americanos; e as de artistas pós-estalinistas por 1.000 a 10.000 dólares norte-americanos, avançou Tyukhtin da Sovcom. Os preços começaram a subir durante o boom económico alimentado pelo petróleo e que acompanhou a ascensão de Putin ao poder em 2000. Agora, muitas destas pinturas podem valer vários milhões de dólares cada, disse.

Mesmo esses preços parecem “muitos baratos” comparados a outros nomes mundiais, disse Catherine MacDougall, diretora da casa de leições MacDougall.

Deyneka e Pimenov, em particular, são especialmente difíceis de encontrar em mãos privadas – o que significa que a pesquisa está ativa para outros alvos a adquirir, de acordo com Sarah Mansfield, diretora de arte russa na Christie.

"Lixo"

Viktor Popkov, que pintou no chamado estilo Severo que surgiu após a morte de Estaline em 1953, tem aparecido cada vez mais em leilões, diz Mansfield. Uma peça do período Severo de Georgy Nissky quebrou um recorde para a arte soviética do pós-guerra quando foi vendida por 1.76 milhões de libras em junho passado, mais do que o dobro da estimativa de pré-venda.

Mas o que diferencia o Realismo Socialista de outros estilos russos é o “elemento da imprevisibilidade” diz Frances Asquith, responsável pelas pinturas russas na Sotheby.

“A imagem que lhe irá realmente agradar apela muitas vezes a uma ampla gama de colecionadores.” Disse Asquith. “É isso que impulsiona qualquer preço no leilão.”

Não é uma posição que toda a gente esteja a comprar.

James Butterwick, um negociante especializado na Rússia e baseado em Londres, chamou ao Realismo Socialista de “lixo” no qual nenhum colecionador sério, de qualquer país, tocaria de forma alguma.

A melhor contribuição da Rússia para a arte continuam a ser os pintores vanguardistas, que foram “completos heróis revolucionários” diz Ivor Braka, um negociante baseado em Londres que negoceia principalmente artistas europeus impressionistas e modernos.

“Ainda assim, quem sabe o que as pessoas estão dispostas a comprar?” Disse Braka. “Não estou a dizer que a arte do Realismo Socialista poderá não começar a receber quantias absolutamente épicas de dinheiro.”

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