Se não custa, não vale a pena
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Tem de ser difícil, tem de custar e tem de parecer impossível – só assim alcançará a satisfação (ao alcançar determinado objetivo) intimamente ligada à felicidade

Estudos no domínio da Psicologia provam que a antecipação de um acontecimento é geralmente mais poderosa em termos emocionais do que o próprio acontecimento.

A ansiedade causada por pedir um aumento é paralisante e pode durar meses. Todavia, quando finalmente decide fazê-lo, o suplício acaba antes de dar por isso. A ânsia de atingir um objetivo ou cumprir um propósito pode tornar-se obsessiva. No entanto, assim que consegue o que almeja, a apatia instala-se e dá início à busca de outra coisa qualquer. No entender de Thomas Gilovich, professor do departamento de Psicologia da universidade de Cornell:

“Compramos coisas para nos sentirmos felizes e resulta. Por um breve período. A novidade é emocionante no início, mas só até nos adaptarmos [à mesma]”.

Curiosamente, a mente é tão engenhosa que nos convence de tal forma que a ideia de qualquer coisa acaba por nos parecer melhor que a coisa em si – e damos por nós a ficarmo-nos pela ideia em vez de a tornar tangível. Eis porque, no seu novo livro “Ego is the Enemy” (O Ego é o Inimigo), Ryan Holiday explica que o primeiro obstáculo para o sucesso é a própria ideia de sucesso.

Sonhar é fácil.

Partilhar as nossas ambições com os outros é fácil. Fazer uma montagem de fotos e imagens que nos inspiram e anotar os nossos objetivos é fácil. Fazer declarações em frente ao espelho é fácil.

E é por aí que se fica a maioria das pessoas.

O próprio ato de sonhar impede-as de ir atrás dos próprios sonhos.

Pensou em tudo e tem tudo planeado na cabeça com tal detalhe que se dá por satisfeito. Fica como que entorpecido. E convence-se de que fez efetivamente algo de produtivo.

Naturalmente, quando tenta de facto levar a cabo o dito projeto, depara-se com um pesado muro de resistência – acabando por se distrair desse desconforto inicial recorrendo a um mimo monetário qualquer. Ainda assim, Robert Greene avança, no livro Maestria, que é possível aprender a apreciar essa resistência interna. Nas palavras do próprio:

“Descobre-se uma espécie de satisfação maliciosa em ultrapassar a angústia que [a resistência interna] possa trazer” (tradução livre).

Como sair da rotina

No livro “Living with a SEAL” (Viver com um operacional SEAL), Jesse Itzler conta a história de como descobriu inspiração num elemento das forças especiais SEAL, norte-americanas, acabando mesmo por o convidar a morar consigo durante um mês. O autor admitiu ter caído numa rotina – o que o levou a procurar algo que o sacudisse da apatia.

Dia 1: O SEAL perguntou a Itzler quantas flexões de braços numa barra fixa conseguia fazer. O autor esgotou-se em oito flexões pouco convincentes.

“Descansa 30 segundos e tenta outra vez”. 30 segundos depois, Itzler tentou novamente, conseguindo fazer seis a muito custo.

“Descansa outros 30 segundos e tenta uma última vez”. Mais 30 segundos e o escritor elevou-se três vezes já sem forças.

“OK, agora não saímos daqui até fazeres mais 100” disse o SEAL. Itzler estava perplexo.

“Está bem. Mas vamos ficar aqui bastante tempo porque nem por sombras consigo fazer mais 100”. Itzler conseguiu, porém, completar o desafio ao fazer uma flexão de cada vez. Desta forma, o militar acabou por convencê-lo de que conseguia fazer bastante mais que aquilo que estava à espera.

O princípio que acabara de aprender é aquilo a que chama a regra dos 40% - na prática as pessoas dão-se por vencidas e esgotadas, mentalmente e fisicamente, baixando os braços, quando usaram apenas 40% do seu potencial. Mas é só quando ultrapassam estes 40% que a coisa se torna verdadeiramente difícil. Daí a máxima SEAL:

“Se não custa, não vale a pena”.

O poder de ser objetivo

“O sofrimento é uma espécie de desafio engendrado pela mente – quer aprender a concentrar-se no objetivo e a ultrapassar a apatia, ou prefere sucumbir à gratificação imediata e momentânea como se fosse uma criança pequena?” – Robert Greene (tradução livre).

Tal como Itzler, que destruiu a barreira mental ao completar 100 flexões, também você pode sair da rotina se investir em metas tangíveis.

A ideia é: fazer qualquer coisa e não parar enquanto não estiver feita, não importa o tempo que demore.

O objetivo é aprender a conquistar coisas difíceis sem se distrair continuamente. Tente cultivar o que Greene chama “satisfação maliciosa” na existência de conflito interno, e aprenda a geri-lo.

Esta premissa é partilhada pelos adeptos de Crossfit. Contrariamente à maioria, que pega no smartphone entre séries, no Crossfit tem-se um objetivo específico e os adeptos não descansam até o atingir.

Se não custa, não vale a pena.

Este princípio é aplicável a tudo. Dedique-se a uma tarefa qualquer e não a largue até a concluir. Pode escrever um artigo e revê-lo exaustivamente até finalmente o publicar. Pode fazer 100 flexões de braços, ou correr 10 km, e só parar quando as completar. O que é que importa o tempo que demora?

A melhor oportunidade da História

No livro “Deep Work: Rules for Focused Success in a Distracted World” (Concentração no trabalho: Regras para o sucesso num mundo de distrações), Cal Newport atesta o seguinte:

“A capacidade de nos concentrarmos no trabalho está a tornar-se uma raridade na mesma medida em que é cada vez mais valorizada na economia atual. Consequentemente, os poucos que cultivam essa competência, e fazem dela o valor seguro da sua vida profissional, serão bem-sucedidos.” (tradução livre)

Não há dúvida que vivemos numa época de distrações sem precedentes na História da Humanidade. É quase impossível manter a atenção numa única tarefa por mais de poucos minutos de cada vez.

A lei dos opostos entra em jogo. Para cada ação, há uma reação de intensidade igual no sentido oposto. Enquanto a maioria se torna cada vez mais distraída, há uma elite a tirar proveito do fenómeno.

Daí que o economista Tyler Cowan tenha dito, “O mediano acabou”. Já não existe classe média. Ou faz parte do grupo exclusivo dos bem-sucedidos ou pertence à massa de distraídos, com excesso de peso que lutam constantemente para se manterem à tona.

A escolha é sua.

Quando as coisas são difíceis desiste? Ou persiste e eventualmente goza do facto de saber que foi bem-sucedido?

Tudo o que vale a pena vai custar no início. Se vale a pena, vai exigir esforço e sacrifício. E aqui reside o problema: enquanto antigamente estávamos prontos a rejeitar o prazer momentâneo em prol de um futuro melhor, a irresistível mensagem dos tempos modernos é “vive o momento”.

E é precisamente isso que fazemos. Vivemos no momento. Por conseguinte, quando algo não nos agrada, e se torna difícil, desistimos. No geral cedemos à satisfação momentânea à custa de um futuro melhor.

Como se não bastasse, o outro mito da cultura contemporânea é a ideia de amor-próprio e individualidade. Somos ensinados a amar-nos independentemente do nosso desempenho. A mediocridade encontra assim a sua razão de ser.

A maioria das pessoas bem-sucedidas não só controla os seus impulsos, como tem uma sensação inata de inferioridade.

Estas pessoas podem parecer confiantes, mas são bastante inseguras. Trazem com elas o peso da opressão de uma forma ou de outra. Daí que se testem continuamente, não obstante o sucesso que possam vir a alcançar, para se convencerem do próprio valor. Nunca se dão por satisfeitas. Continuam a sentir-se inferiores.

Estes atributos são reconhecidos na nossa economia por serem tão raros. São poucos os que controlam os próprios impulsos, optando por viver o agora. E poucas pessoas se sentem inferiores. A maioria de nós acredita piamente na ideia de termos de nos amar primeiro antes de podermos ser bem-sucedidos.

Tretas.

A verdadeira confiança é conquistada. E conquista-se quando se tenta e se é bem-sucedido.

Não quando se sonha com o sucesso.

A verdadeira confiança vem naturalmente quando se insiste quando as coisas não são fáceis. Quanto mais tempo se deixar ficar num predicado difícil, duro e penoso – e, nesse cenário, conseguir realmente acrescentar valor, mais confiante e melhor sucedido será.

Eis o porquê de Ryan Holiday dizer, numa entrevista com Lewis Howes, que “somos recompensados pelo trabalho que realizamos de facto. Não pelas promessas que fazemos”.

Trabalhar é duro.

Estar no pico da forma física é violento.

Forjar relações profundas e duradouras é quase impossível. Grande parte dos casamentos acaba em divórcio.

Ganhar maturidade espiritual implica abandonar quem queremos ser em prol de aceitar quem somos de facto.

Nenhuma destas coisas é fácil no início, nem tão pouco imediata. Porém, se não custassem, não valiam a pena. E podemos seguramente aprender a resistir ao desconforto momentâneo, se for para construir uma vida que merece ser vivida.

Se está preso numa rotina, como Itzler, crie e faça por cumprir metas específicas – não interessa o tempo que as mesmas levem.

Prazer vs Felicidade

“Uma vida que não inclua duras conquistas e triunfo sobre obstáculos não é uma vida que traga satisfação. Há qualquer coisa que realiza profundamente o sujeito – até o emociona – quando se consegue fazer bem algo extremamente difícil. Existe alegria e orgulho de nos ultrapassarmos, de desbravarmos terreno e desafiarmos limites. Uma vida consagrada exclusivamente ao presente – ao sentir-se bem agora – poucas hipóteses tem de trazer a sensação de realização. O agora é em si demasiado pequeno, efémero e superficial. Precisamos todos de uma ideia de futuro.

Algo mais além e maior que a gratificação imediata, a que aspirar ou para o qual sentir que contribuímos.” – The Triple Package (O Pacote Triplo).

Felicidade verdadeira – alegria – é fundamentalmente diferente de prazer momentâneo. E isto não quer dizer que o prazer momentâneo seja mau por inerência. Contudo, encontra-se muitas vezes no caminho de algo mais profundo e duradouro.

Tudo o que merece a pena traz uma satisfação que a simples distração jamais conseguirá trazer. Não ceda à pressão. Continue, apesar das dificuldades. É aí que reside a alegria que os que desistem desconhecem.

Palavras do geólogo James Talmage:

“A felicidade não deixa um sabor amargo na boca, não é seguida de uma reação depressiva. Não traz arrependimento, não acarreta remorsos. A felicidade verdadeira é vivida uma e outra vez no espaço da memória, renovando constantemente a matéria-prima original. Um momento de prazer pode deixar uma farpa, [como] uma fonte de angústia sempre presente.”

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