Saber exatamente como reagir em caso de fracasso deve fazer parte de qualquer plano para alcançar determinado objetivo
No bestseller de 1999, “O Monge que Vendeu o seu Ferrari”, Robin Sharma conta-nos a história de um grupo de monges indianos que, sempre que têm um pensamento negativo, fazem uma caminhada perigosa até uma grande catarata. Ficam por baixo da água que cai, pesada e gelada, até que o pensamento negativo seja “levado pela corrente”.
Pode parecer uma medida drástica, e provavelmente não tem uma catarata no seu bairro debaixo da qual se possa meter sempre que faz asneira. Mas os psicólogos contemporâneos descobriram agora que este ato dos monges não é completamente descabido.
Intenções de aplicação e catalisadores
Como é que continuamos a seguir o caminho que leva ao nosso objetivo quando nos é difícil continuarmos motivados? Uma das respostas que os psicólogos têm dado chama-se “intenções de aplicação”. É um princípio simples, que consiste em saber antecipadamente o que faremos para nos desviarmos do caminho e perceber ao certo o que é que esse desvio representa para nós.
Por exemplo, quando os corredores de ultramaratonas decidem participar numa corrida extenuante, costumam definir o que será necessário para os fazer desistir: “Se perder totalmente a visão, desisto”. Claro que não tem de ser algo tão extremo como perdermos a visão durante momentos ou sermos fustigados por uma catarata potente, mas é importante estabelecermos um ponto de referência para o fracasso e um plano de ação para o caso de lá chegarmos.
Muitas vezes, se não definirmos a priori as condições que nos levarão a parar, desistimos prematuramente. Segundo Jesse Itzler, autor de “Living with a SEAL” (Viver com um operacional SEAL), a maioria das pessoas desiste quando atinge cerca de 40% das suas capacidades reais. Faz sentido: quando as coisas se tornam difíceis, o nosso cérebro entra em modo de sobrevivência e começamos a ter carência de dopamina. Por isso é que muita gente come quando está stressada ou faz publicações compulsivas nas redes sociais quando tem um trabalho muito difícil em mãos.
Contudo, a teoria por trás das “intenções de aplicação” dá-nos mais do que um plano de desistência. Temos também de definir as reações hipotéticas que teremos caso nos deparemos com obstáculos. Estudos realizados com crianças revelaram que, através da imaginação de obstáculos aos objetivos e das reações hipotéticas aos mesmos, um grupo de alunos melhorou as notas, faltou menos às aulas e comportou-se melhor na sala de aula. Outros estudos concluíram que as intenções de aplicação podem melhorar a gestão do nosso tempo de forma consistente.
E porquê? Porque planear alcançar um objetivo – ainda que este objetivo descreva o que faremos quando fracassarmos – pode dar-nos uma perspetiva mais nítida sobre essa situação futura. Outros estudos demonstraram que esta clareza de pensamentos nos ajuda a lembrar mais facilmente uma situação passada e a reagir de forma mais rápida e eficiente à situação atual. Por outras palavras, as intenções de aplicação podem melhorar a deteção de sinais importantes e rejeitar os falsos alarmes.
Pôr em prática o plano de fracasso
Elaborar intenções de aplicação cria laços mentais fortes entre o cenário hipotético e a reação que teremos. O ideal é que a reação que imaginamos para o cenário hipotético seja ativada de forma mais ou menos automática, caso lá cheguemos. Em termos psicológicos, esta reação deve ser iniciada de forma imediata, eficaz e sem que seja necessário mais nenhum processo cognitivo. Assim, a intenção de aplicação, mais do que uma orientação, é um catalisador automático: um estímulo externo (um cheiro, uma divisão, uma pessoa, uma canção, etc.) que desencadeia uma reação treinada. Isto significa conhecer muito bem – de forma visceral – as circunstâncias de um possível fracasso.
O meu primo Jesse foi fumador compulsivo durante mais de uma década – fumava vários maços por dia. Há três anos, decidiu deixar de fumar da noite para o dia. Sempre que está stressado e tem vontade de fumar, pensa “Se eu fosse fumador, por esta altura já estava a fumar”. E depois continua o que estava a fazer.
Uma intenção de aplicações eficaz pode ser algo tão simples como uma nota mental. Em vez de se banhar numa catarata gelada, este catalisador resulta para o Jesse porque o facto de já não se identificar como fumador é muito importante para ele. E essa comunicação íntima ajudou o Jesse a treinar o cérebro para que se lembre automaticamente disto quando se sente tentado a fumar.
Concentrar-se no processo
Embora possa ser útil escrever e visualizar o momento em que alcança o seu objetivo, estudos demonstraram que a visualização do processo (as barreiras com que nos depararemos e a forma como reagiremos a elas) através do qual o alcançamos podem melhorar o nosso desempenho e diminuir a ansiedade.
Quer experimentar já? Pegue num papel e num lápis ou caneta e siga os passos seguintes:
- Pense no seu principal objetivo.
- Aponte-o.
- Defina um período para a sua concretização, de preferência razoavelmente curto.
- Imagine todos os possíveis obstáculos que terá de transpor para alcançar o objetivo.
- Aponte esses obstáculos.
- Agora pense nas reações hipotéticas que terá quando confrontado com esses obstáculos.
Ao antever o fracasso e planear reações automáticas a cada uma destas situações, treinamos o cérebro a pô-las em prática muito antes de precisarmos.
Há sinais importantes aos quais temos de prestar atenção. Estudos demonstraram que, se estivermos pouco empenhados em atingir os nossos objetivos, a nossa reação a situações hipotéticas será ineficaz. Outros revelaram que, se a nossa confiança relativamente às nossas próprias capacidades for baixa, nem sequer teremos a intenção de aplicar estratégias. A autoconfiança baixa limita a capacidade de seguirmos em frente em situações difíceis.
Quanto mais pormenorizado for o seu plano, mais bem-sucedido será.
Um outro estudo revelou que as intenções não são úteis para as pessoas que avaliam o seu próprio comportamento à luz dos padrões da sociedade. Por outras palavras, o seu objetivo tem de partir de uma motivação genuína e não pode estar apenso a algo que os outros podem achar importante, se não for importante para si.
Finalmente, está provado que os cenários concretos para reações hipotéticas ("se eu entrar na cozinha e me apetecer bolachas, nesse caso…") são mais eficazes do que os cenários vagos (“Quando me apetece comida de plástico…”). Tal como o que acontece com a visualização e a definição de objetivos, quanto mais detalhado for o seu plano de fracasso, mais sucesso terá a aplicá-lo – e, esperamos, mais facilmente o cumprirá até ao fim para que seja bem-sucedido.