Como pode a subida de preço de uma bebida alcoólica chinesa explicar a economia da Bitcoin? Trata-se, entre outros aspetos, de uma questão de estatuto social. Compreenda porquê.
Procurando contextualizar o aumento meteórico de preço da Bitcoin, analistas da Bernstein Research compararam os principais fatores por detrás da procura por determinados produtos chineses de campos distintos: medicamentos e bebidas alcoólicas.
“As bitcoins não fornecem liquidez ou outros benefícios aos investidores. Porém, a oferta de bitcoins é limitada. Assim, o seu preço é impulsionado por especulação ao redor de potencial procura.” — Avançaram os analistas.
Há, na realidade, um certo grau de incerteza ao redor da procura por criptomoedas. Quantas pessoas realmente querem criptomoedas? E por que razão as querem? Quantas quererão no futuro? Será que quererão numa base contínua por um longo período de tempo? Esta incerteza ao redor da procura contribui para a volatilidade do preço das criptomoedas e da Bitcoin em particular.
Mais: são várias as plataformas de câmbio de criptomoedas não reguladas pelo mundo — entre as quais o preço da Bitcoin pode variar significativamente.
Com isso em mente, analistas da Bernstein contrastaram a situação vivida pelas criptomoedas, pela Bitcoin em particular, com a procura por um medicamento tradicional chinês derivado da pele de burro — conhecido como E.Jiao — e utilizado para enriquecimento do sangue e anti-envelhecimento.
Em 2016 a China produziu 5.000 toneladas de E.Jiao, o que exigiu 2,5 milhões de peles de burro.
Porém, a população de burros está a diminuir no país, o que tem conduzido a imitações baratas derivadas de pele de vaca e cavalo.
Assim, a principal fabricante do produto original, a Dong E-E.Jiao, beneficiou daquilo a que a Bernstein Research chama “escassez credível”.
Não existe oferta ilimitada de E.Jiao, tal como não existe oferta ilimitada de Bitcoin. No entanto, o produto chinês beneficia de elevado grau de certeza quanto a procura subjacente.
Como tal a Dong E. aumentou o preço do E.Jiao 18 vezes ao longo da última década.
Entretanto, algures entre a Bitcoin e o E.Jiao encontramos a Fetien — marca de baijiu, um licor chinês bastante popular.
Servir baijiu a convidados é uma forma dos chineses afirmarem o seu estatuto na sociedade, o que o torna aquilo a que economistas se referem como bem de Veblen — bens materiais para os quais a procura é proporcional ao preço elevado.
A teoria económica básica sugere que quando os preços caem mais pessoas compram determinado produto.
Porém, no caso dos bens de Veblen — onde se incluem marcas de topo e carros luxuosos — o aumento de preço geralmente reforça o estatuto social associado ao produto, tornando-o mais desejável.
A Bernstein Research considera-o o “valor snobe” do produto.
A Bitcoin apresenta algumas características de bem de Veblen — com o seu preço a aumentar por poucas mais razões além de ser algo cool.
“Em meados de 2017 conduzimos uma pesquisa junto de consumidores de produtos chineses premium. A mesma mostrou que a procura por bens de Veblen é o terceiro mais importante factor por detrás da escolha de marcas como a Fetien e a sua principal concorrente Wuliangye. No âmbito da pesquisa, 32% dos inquiridos confirmaram que ‘Servi-la mostra respeito pelos meus convidados’ como razão-chave para a escolha da marca. Mais: ’É apropriado para pessoas como eu beber esta marca’ também surgiu no top 5 das razões por parte de 23% dos inquiridos.” — Afirmou a Bernstein.
“Especificamente quanto ao baijiu da Fetien: ‘Bebê-lo/Servi-lo mostra que sou bem-sucedido’ é a razão através da qual 27% dos inquiridos justificam a escolha da marca.”
“Este tipo de procura por bens de Veblen foi um dos fatores que levou o preço ao consumidor da Fetien a subir cerca de 400% entre 2007 e 2012 — e a aumentar 64% nos últimos 12 meses.”
Parte do valor da Bitcoin, da fórmula medicinal da Dong E (E.Jiao) e do licor de baijiu da Fetien deriva da oferta limitada.
Fundamentos distorcidos
No entanto, como referido, o E.Jiao também beneficia de certeza de procura. Por sua vez, os níveis de procura não são claros nos casos da Bitcoin e do baijiu. Assim, tal como a maior criptomoeda do mundo, a Fetien tem estado suscetível à distorção de fundamentos do mercado.
O primeiro ocorreu no final dos anos 2000 com défice de oferta: distribuidores acumularam stock o que serviu para reduzir a oferta.
Tal tem alguma semelhança com a Bitcoin: estima-se que 1.000 pessoas detenham cerca de 40% de todas as bitcoins disponíveis.
A situação da Fetien inverteu-se bruscamente quando o governo chinês lançou uma campanha anti-corrupção em 2012 e o mercado foi inundado com excesso de stock.
Em comparação, o mercado de criptomoedas também já foi alvo de ação das autoridades chinesas.
Será interessante perceber o futuro do mercado das criptomoedas e da Bitcoin em particular. É provável que o amplo aumento de popularidade do mercado leve a que seja cada vez mais controlado por autoridades fiscais, bolsas de valores e bancos. Que impacto terão esses desenvolvimentos na procura?