Os smartphones já existiam antes de Steve Jobs apresentar o iPhone no dia 9 de janeiro de 2007. Contudo, ao revolucionar as plataformas já existentes, a distribuição de aplicações e os modelos empresariais, o iPhone desencadeou uma nova era de computação. Qual será o impacto total desta família de produtos?
O início da era Smartphone 2.0
Há oito anos atrás, Jobs subiu ao palco na MacWorld de São Francisco e fez uma apresentação magistral, que vale a pena rever de vez em quando. Uma referência de avaliação para um CEO incapaz de ultrapassar o nível dos PowerPoints ou de uma apresentação-de-um-produto-com-um-número-de-dança.
Na sua conferência, Jobs explica que o iPhone é um daqueles produtos que “muda tudo”, tal como o fizeram anteriormente o Mac e o iPod. Obviamente que estava certo, mas é de se ponderar… será que mesmo com a sua ambição, Jobs visionou que o iPhone iria mudar não só a Apple e toda uma indústria, como também o mundo muito para além das fronteiras do ecossistema tecnológico?
Se a última frase pareceu um pouco exagerada, vamos dar uma vista de olhos à transformação que a indústria dos smartphones sofreu, começando pela Apple.
- Em 2006, o ano anterior ao da criação do iPhone, os rendimentos da Apple eram de $19 mil milhões (para o ano fiscal a terminar em setembro). Nesse ano, os rendimentos do iPod ultrapassaram os do Mac, cerca de $7,7 mil milhões para $7,3 mil milhões… mas ninguém referiu que a Apple se tinha tornado numa empresa de iPods.
- Em 2007, o rendimento aumentou para $24 mil milhões, uma boa progressão de 26%. As vendas do Mac retomaram a liderança ($10,3 mil milhões vs. os $8,3 mil milhões do iPod), ao passo que as do iPhone não foram registadas ($123 milhões) devido às exportações terem começado tarde no ano fiscal, pelo que a contabilidade abafou-as.
- Em 2008, o rendimento aumentou para 32,5 mil milhões, uma subida de 35%. O rendimento do iPhone começou a ter algum peso no rendimento geral da empresa, cerca de $1,8 mil milhões, muito atrás dos $9 mil milhões do iPod e os $14,3 mil milhões do Mac (um bom apoio de 39%).
- Em 2009, o rendimento subiu uns modestos 12%, ou seja $36,5 mil milhões – este foi o ano da crise financeira. O iPod desceu para os $8 mil milhões (-11%), uma vez que as suas funcionalidades eram rapidamente absorvidas pelo iPhone, e o Mac desceu um pouco, para os $13,8 mil milhões (-3%). Todavia, estas quedas foram mais que compensadas pelo rendimento do iPhone de $6,8 mil milhões (+266%), o que permitiu à empresa apresentar um aumento de $4 mil milhões nesse ano. Isto foi só o princípio (e mesmo este princípio foi bem maior do que originalmente tinha sido pensado: devido à alteração do reconhecimento do crédito, o rendimento do iPhone de 2009 seria recalculado para $13,3 mil milhões).
- Em 2010, o rendimento do iPhone disparou para os $25 mil milhões, empurrando o rendimento total da Apple para uns fenomenais 52%, ou seja, $65 mil milhões. Nesta altura, o iPhone já representava mais do que um terço do rendimento total da Apple.
- Em 2011, o crescimento acelera e o rendimento chega aos $108 mil milhões (+66%), cinco vezes mais do que os números de 2006 antes do aparecimento do iPhone. O iPhone alcança os $47 mil milhões (+87%), tornando-se quase metade do rendimento total da empresa.
- Em 2012, as vendas chegam aos $156,5 mil milhões (+45%) e o iPhone atinge os $80,5 mil milhões (+71%). Com números tão massivos, 45% e 71% quase que parecem anormais, como se quebrassem as Leis dos Grandes Números. À medida que isto acontece, o iPhone chega finalmente ao limiar dos 50% do rendimento total, e é responsável por provavelmente dois terços do rendimento total da Apple.
- Em 2013 abranda o crescimento da Apple, com uns modestos 9% e uns $171 mil milhões de rendimento total. Nesse ano, o iPhone tem um rendimento de 91,3 mil milhões (+16%), e é o que mais contribuiu ($12,6 mil milhões) para o aumento do rendimento total ($14 mil milhões) e 53% das vendas totais.
- Em 2014 o crescimento abranda mais um pouco: $182 mil milhões (+7%), com o iPhone a atingir os $102 mil milhões (+12%). Mais uma vez, é o iPhone que mais contribui para o crescimento do rendimento total ($10,7 mil milhões dos $11,9 mil milhões) e atinge 56% das vendas da empresa. De uma forma notável, o iPad apresenta um decréscimo de 5% e o iPod com $2,3 mil milhões começa a tornar-se cada vez menos relevante (se bem que, quantas empresas não matariam para conseguir $2,3 mil milhões de rendimento em vendas de um dispositivo de leitura de música?).
Eis uma visão da emergência do iPhone como principal produto da Apple:
Enquanto a empresa se tornou 10 vezes maior do que era antes do aparecimento do iPhone, a indústria dos smartphones tornou-se num negócio de quase biliões de dólares. Dependendo da forma como contamos as unidades e os dólares, se juntarmos a quota de mercado de 12% da Apple, os números mundiais que a indústria dos smartphones atingiu é de $800 mil milhões. Se atribuirmos à Apple apenas 10% da parte, aí se tem o 1$ bilião.
Para referência, as duas maiores empresas de automóveis, a Toyota e o Grupo Volkswagen foram responsáveis por um rendimento de $485 mil milhões em 2013:
Contudo, está-se apenas a calcular o seu tamanho ao juntar-se $800 mil milhões ou 1$ bilião. O que não se deve fazer é pensar que a indústria dos smartphones cresceu simplesmente por causa destes números. O negócio dos smartphones hoje em dia pouco tem em comum com a altura de 2006.
O panorama dos smartphones
Considerando que a Motorola “inventou” o telemóvel. Atualmente, a Motorola está praticamente extinta: foi comprada pela Google, mais tarde passada para a Lenovo e agora, provavelmente irá dar-se bem com a linha chinesa do seu novo proprietário.
Nokia: a empresa finlandesa, roubou a coroa à Motorola quando os telemóveis se tornaram digitais e se criaram mais de 100 milhões de telemóveis por quarto. Desde aí, o novo CEO da Nokia, Stephen Elop, um ex-executivo da Microsoft, cometeu o erro de “pôr a carroça à frente dos bois” e agora a Nokia é propriedade do antigo funcionário da Elop. Com 5% ou menos de quota de mercado, a Nokia é um desperdício dos recursos e credibilidade da Microsoft… a menos que passe a fazer telemóveis Android como incorporação nas aplicações da empresa “Cloud-First, Mobile-First”.
A Palm, uma empresa que criou um smartphone credível conforme as competências do seu PDA, foi vendida à HP que acabou por destruí-la. Está pior que morta, com um proprietário necrófilo (TLC) e com a LG a carregar algumas das peças do cadáver para os seus televisores WebOs e smartwatches WebOs.
E depois há a BlackBerry. Antigamente o mais competente dos smartphones com um gestor de informações pessoal muito à frente do seu tempo, agora é apelidado de “CrackBerry” (crack = fenda, brecha) pelos seus utilizadores fiéis. Atualmente, a BlackBerry Limited vale menos que 1/100 da Apple e está a tentar encontrar um nicho – ou alguém que esteja à procura de peças.
HTC Dream (T-Mobile G1) - primeiro smartphone de sistema operativo Android
É claro que as mudanças ocorridas na indústria não se deveram exclusivamente à Apple. Em muitos aspetos, a Google destruiu a vida de mais titulares que a Apple. A Google apoderou-se do Android em 2005, muito antes do iPhone ter sido criado. De acordo com Tomi Ahonen, a China utiliza mais de 2000 (!) marcas de telemóveis, e todas elas com bases de algum derivado do Android. E convém não esquecer a voracidade da gigante coreana falsa amiga da Apple Samsung, que é tanto fornecedora dos componentes principais do iPhone como sua rival.
Mas será que esta indústria já está estabilizada? Será que nenhum dos titulares atuais, incluindo a Apple, tem fraquezas? A líder de mercados Samsung parece estar sempre a ser desafiada tanto pela Apple na linha da frente como pela Xiaomi por baixo, e tem anunciado mais problemas recentes. Ahonen afirma que ao Xiaomi não é a nova Apple, mas que convém estar atento à Lenovo e à Huawei. E, é claro, a Apple é vista como uma empresa de “êxitos”, um negócio que vive e morre pelos seus próximos números de “box-office” – e os números do novo iPhone6 ainda não fazem parte dos primeiros, mas espera-se que venham a ser bastante fortes.
Independentemente dos casos particulares dos negócios de cada uma das empresas, o que importa realmente é o impacto mundial dos smartphones. Numa publicação num blog intitulada “As tecnologias com maior impacto disruptivo nos próximos cinco anos”, Tim Bajarin afirma que a próxima grande novidade não é a internet das coisas, ou a realidade virtual, nem mesmo a bitcoin. Estes são desenvolvimentos muito importantes, mas nada se compara ao impacto dos smartphones:
“Uma outra forma de pensar sobre isto é que os smartphones ou computadores de bolso ligam dois milhões de pessoas à internet, de uma maneira quase idêntica àquela que a Gutenberg Press e a Bíblia fazia às massas na Idade Média.”
Como notou Horace Dediu, em 2014 caminhámos para a penetração de 75% de smartphones americanos na indústria dos smartphones. O grande impacto que está para vir fará com o mundo inteiro consiga e exceda o seu grau de conectividade, especialmente em áreas em que exista pouca ou nenhuma conexão com fios.
“Isto foi o que Jobs iniciou há oito anos atrás ao revolucionar o mercado e mudar as regras do jogo.”