Banco Central: o novo Big Brother
7 de Agosto de 2015
Perceba como num futuro não muito distante os Bancos Centrais podem vir a ter poderes que fazem lembrar o romance de George Orwell.
Manhattan, 2040: Alice quer abrir uma loja de antiguidades. Chelsea parece uma boa localização. Precisa de encontrar 150 metros quadrados para colocar os artigos que tem recolhido ao longo dos anos e para seguir numa excursão por feiras da ladra na Europa de Leste, a sua área de conhecimento. Precisa de financiar as importações. O problema? Não tem dinheiro suficiente para começar.
Vai à sua interface do Banco Central e escolhe a opção “imprimir dinheiro para fins pessoais e de crescimento económico”. Responde a uma série de questões que surgem no monitor, definindo o setor de negócio, apresentando os custos previstos e construindo o esboço de um plano de negócios.
A partir daqui o banco central fará cálculos com base em todos os seus detalhes pessoais e financeiros (possui um pequeno apartamento e está financeiramente estável). A análise estatística do seu historial financeira mostra que é de confiança e cuidadosa. Os dados de riscos ligados à ideia de negócio de Alice serão integrados com dados de necessidades da economia e suas potenciais áreas de crescimento, juntamente com outras informações detidas pelo banco.
Se o investimento for aprovado o banco irá creditar a conta pessoal de Alice com sinais de dólar. Alice poderá transferir o dinheiro imprimindo cheques ou imprimindo notas com a sua própria impressora pessoal.
Os bancos comerciais já não existem. São apenas mediadores desnecessários. É o banco central que identifica a necessidade de empréstimo, gera dinheiro e transfere-o para o cliente. Na verdade, a gestão de todos os investimentos e crédito passa para o banco central. O banco controla toda a economia. Vê tudo. Percebe tudo. Calcula as hipóteses de sucesso de Alice e aloca crédito de forma eficiente e com baixo risco.
Você não precisa de ligações ou favores do seu gerente bancário. Se um pedido de empréstimo for recusado é porque o banco terá uma boa razão. Os seus complicados cálculos indicam que a sua ideia de negócio não será rentável no curto prazo. Alice teria gasto o seu tempo numa batalha frustrante e inútil – na verdade, o banco fez um favor a Alice.
Um mecanismo poderosíssimo
Existem três fases na nossa história: Alice submete a sua candidatura, o banco calcula as suas hipóteses de sucesso e o banco transmite sinais de dinheiro diretamente para Alice.
O que temos aqui é uma combinação de uma nova realidade digital – a recolha de dados significativos – com uma controversa teoria monetária. Essa teoria é a teoria endógena do dinheiro.
Vamos começar com os dados significativos. Há três anos, os laboratórios de investigação da IBM conduziram uma experiência fascinante. Ao combinar dados de publicações do Facebook relativamente à gripe com dados disponíveis construíram um modelo estatístico capaz de prever a propagação da gripe em determinada época. Quando compararam o gráfico dos seus resultados com dados dos Centers for Disease Control and Prevention encontraram uma correlação surpreendente.
Na nossa história a Reserva Federal faria algo semelhante com dados sobre gastos dos turistas, tendências e modas, adicionando os dados pessoais de Alice. Gigantes algoritmos calculariam tudo isto a fim de estimar as hipóteses de sucesso de Alice.
Se o computador central chegasse à conclusão de que o empréstimo valeria o risco – acabaria por gerar o dinheiro.
O dinheiro como um sinal de trânsito social
De acordo com o conceito endógeno (interno) de dinheiro os bancos geram moeda de uma forma artificial, ex nihilo, por forma a permitir o crescimento económico. De acordo com esse entendimento, o dinheiro não teria existido antes de pedidos de crédito. O dinheiro é criado de acordo com a procura do mesmo, e o banco central não consegue realmente controlar o que acontece com o mesmo.
O crescimento, como economistas como o Professor L. P. Rochon da Universidade de Sudbury no Canadá diriam, é surge possivelmente graças à geração de moeda. E onde é que o banco central consegue o dinheiro? Empresta o dinheiro a si próprio, o que significa que transfere números no seu saldo de um lado para outro.
De seguida o banco central marca uma transferência de um milhão de dólares (por exemplo) no saldo e transfere esse valor para os computadores do banco comercial. O banco transfere, por sua vez, o dinheiro para o cliente, que compra equipamento, paga salários, vende, faz lucro e paga de volta ao banco com o dinheiro que ganhou.
Quando o banco paga ao banco central o mesmo apaga o empréstimo que “fez a si próprio”. O dinheiro, de acordo com Rochon, é antes de tudo uma ferramenta para a organização social. E se for este o caso, porque não temos todos acesso a esta ferramenta?
Mas que mundo!
É difícil falar de liberdade numa sociedade onde os meus futuros passos são previstos de acordo com impressões digitais nas redes sociais, com os meus grupos de amigos, com o que se passa à minha volta e com a minha história – e onde tudo isto é previsível mesmo antes de eu decidir que passo tomar.
Mesmo que eu ainda tenha a capacidade de escolher como indivíduo e de estar livre para agir encontra-se tudo sujeito a supervisão. Se não existe liberdade real qual o significado da ideia de um mercado livre como na história de Alice? Quase nenhum, aparentemente.
Alice vive num sistema económico diferente dos sistemas capitalista e comunista que conhecemos. Por um lado, é um mercado totalmente controlado. Todas as atividades comerciais têm lugar através de coordenação, verificação e cálculo central. Mas ao contrário do mercado soviético, que sofreu de inadequadas dotações de crédito, o computador toma decisões com base na situação ideal de detenção de (quase) toda a informação económica.
A gestão central num sistema como este, no entanto, não é o mais importante. Também ao contrário do mercado soviético não existe lugar para trabalhadores e gestores passivos e existe ainda espaço – e necessidade – para o empreendedorismo e a criatividade.
Por outro lado, um mercado como este não é um mercado livre no sentido ocidental do termo. Neste sistema, o banco central seria capaz de planear e gerir as iniciativas de cada cidadão e de deter (quase) todo o controlo da economia. Cada pedido de crédito seria sujeito a controlo informatizado de acordo com parâmetros estabelecidos pelo banco central.
Ainda assim, existiria mais espaço para a iniciativa privada e para a criatividade face ao que existe hoje. Além disso, ao contrário de uma economia soviética planeada, não haveria interferência humana na esfera privada. Não existiriam preferências pessoais, nem nepotismo ou favoritismo, nem existiriam limites à criatividade. O computador central compreenderia que a economia precisa de criatividade e inovação.
Ao contrário do nosso banco o algoritmo saberá que existe espaço para alocar crédito num sistema de tomada de risco onde novas, e mesmo estranhas, coisas são produzidas. Mesmo um artista ou poeta poderia pedir financiamento. O banco central saberá que sem arte não poderá haver sociedade humana.
E a privacidade? Tem vindo a desaparecer há já algum tempo. Não reparou?