As empresas que trabalham com blockchains não param de surpreender – desta vez “obrigaram-nos” a repensar o conceito de aumento de capital
A Oferta Inicial de Moeda (ICO na sigla original), mecanismo que era apenas acessível a um pequeno grupo de fãs da tecnologia blockchain, está agora a ganhar popularidade entre investidores de risco. A OpenANX Foundation baseada em Hong Kong, por exemplo, tornou-se a mais recente empresa de blockchain a lançar uma ICO, procurando reunir 22,5 milhões de dólares. É certo que outras empresas seguirão o exemplo.
Segue-se tudo o que deve saber sobre as ICO, de antemão, se estiver interessado neste novo meio de investimento.
O que é uma ICO?
Uma ICO é um híbrido entre crowdfunding e aumento de capital. É um método que os indivíduos responsáveis pelo desenvolvimento de blockchains utilizam para reunir fundos para novos empreendimentos.
Atualmente, a angariação de capital é frequentemente conduzida numa fase de pré-lançamento – através da emissão de tokens digitais novos em troca de moeda digital existente (como a Bitcoin ou outra). O token digital concede acesso ao projeto em desenvolvimento assim que este for lançado e se encontre operacional.
Se o projeto for bem-sucedido, os primeiros investidores irão lucrar com o aumento de valor da nova moeda.
Qual o processo utilizado para realizar uma ICO?
O processo tecnológico para realização de uma ICO é simples. O novo token digital é transferido para o investidor mediante a celebração de um contrato inteligente – em troca de determinada quantia. Os fundos arrecadados são geralmente fornecidos aos programadores através de depósito de moeda digital.
Os documentos preparados para uma ICO incluem um White Paper, que define informação geral sobre o projeto de blockchain e sobre os tokens digitais a serem emitidos. Por vezes, o mesmo é acompanhado por um Technical White Paper, que aprofunda os aspetos tecnológicos do projeto e da ICO. AS ICO melhor estruturadas são também acompanhadas por um Offering Memorandum, que descreve os fatores de risco e o processo de investimento.
Quem se encontra a investir em ICO?
Investidores-chave com interesses na Ásia:
- Pantera Capital, a primeira empresa norte-americana de investimento em Bitcoin – focada exclusivamente em investimento em tecnologias blockchain. A Pantera realizou investimentos na ZCash, Ripple Labs e coins.ph.
- Blockchain Capital (criada em 2013), o primeiro fundo de capital de risco a aceitar pedidos de capital em Bitcoin. Continua a focar-se em investimentos em Bitcoin e em ecossistemas de blockchain. Entre os seus investimentos mais importantes: Coinbase e Wave.
- Digital Currency Group, uma empresa de investimento conhecida por ter apoiado um número de empresas focadas em blockchain na Ásia, incluindo a Melotic, a Luno e a BTCC.
- Fenbushi Venture Capital, a primeira empresa de capital de risco baseada na China a investir exclusivamente em empresas habilitadas para blockchain. Investiu na Abra e na Symbiont.
Porque estão as empresas de capital de risco interessadas nas ICO?
Algumas empresas de capital de risco deram conta de que o valor da nova tecnologia se concentra no protocolo em si e não nas aplicações.
Os tokens digitais permitem que os criadores de um protocolo de blockchain obtenham benefícios económicos diretamente do protocolo. Tal é geralmente realizado ao reservar-se uma porção dos tokens digitais para os programadores, primeiros investidores e primeiros adotantes. Quando o projeto é lançado e alcança níveis de sucesso, esse primeiro grupo de apoiantes cria um ciclo de feedback positivo. As aplicações bem-sucedidas, baseadas no protocolo de blockchain, servem para atrair interesse para o protocolo de blockchain subjacente, para o qual existe mercado disponível. À medida que o preço aumenta, a capitalização de mercado do protocolo deverá crescer mais depressa do que a de qualquer aplicação que o utilize.
Uma das principais atrações das ICO: o token digital emitido pelo programador é negociável. Pode ser trocado por outras moedas digitais e dinheiro – o que fornece liquidez.
As ICO são reguladas?
Raramente no presente – mas há outra questão a ponderar. Deverão ser reguladas?
As ICO contam com muitas características semelhantes às dos valores mobiliários. Os documentos emitidos com uma ICO são vagamente baseados nos documentos emitidos para uma oferta de valores mobiliários. Até mesmo o termo “Initial Coin Offering” (Oferta Inicial de Moeda) é semelhante a “Initial Public Offering” (Oferta Pública Inicial).
Aqueles que argumentam que as ICO não são valores mobiliários salientam os seguintes fatores:
- Uma ICO não oferece nenhum tipo de participação aos seus investidores.
- Numa ICO apenas se podem comprar criptomoedas – e estas não são um valor mobiliário.
- Uma ICO é um instrumento global, não nacional, que não é controlado por qualquer autoridade ou banco central.
- Um token digital emitido numa ICO é um token de utilização, que pode ser aplicado e usado no protocolo de blockchain a ser desenvolvido.
Entretanto, aqueles que acreditam que as ICO são valores mobiliários salientam o facto de as mesmas preencherem critérios tradicionais que definem um valor mobiliário. Os compradores numa ICO atuam com a expectativa de lucro. Quando algo é oferecido para investimento ou especulação deve ser considerado valor mobiliário. O interesse em maior regulamentação surgiu agora que o público em geral tem acesso a este processo.
Quais são os riscos?
As ICO são geralmente lançadas numa fase muito embrionária de desenvolvimento, às vezes pouco depois da fase de conceito. Qualquer investimento numa empresa em fase inicial é inerentemente muito arriscado.
A blockchain é uma tecnologia nova – em desenvolvimento. Ainda não conta com uma infraestrutura de qualidade e não é adequada para investidores acostumados a intermediários profissionais – que monitorizam informação pública e gerem os seus investimentos num ambiente regulado.
Muitas ICO não cumprem regulamentações relativas à luta contra o branqueamento de capitais e fraude.
A infraestrutura de uma ICO não fornece qualquer supervisão de como os fundos são aplicados – nem de como se desenvolve o projeto de blockchain subjacente. Não há nada que possa evitar que os programadores fiquem com o produto de uma ICO.
No entanto, as ICO estão a atrair cada vez mais atenções. No futuro, irão atrair aqueles que desejam aumentar o seu capital num ambiente não regulado e com pouca responsabilização – bem como mais investidores públicos, que não compreendem os riscos subjacentes ao investimento. Trata-se de um cocktail potencialmente perigoso.
O que se segue?
As ICO vieram para ficar. Muitos creem que o seu valor real reside nos projetos que surgem do financiamento. Tal liga-se à teoria do protocolo subjacente às tecnologias blockchain. A ICO combina financiamento eficiente (rentável em termos de custos) com a construção de uma rede de apoiantes motivados. Tal soluciona o problema de escassez de financiamento enfrentado por empresas privadas de todo o mundo antes de encontrarem um investidor estratégico ou de entrarem na bolsa.
Os reguladores irão continuar a manter um olhar atento sobre as ICO. Alguns já incorporam tecnologias blockchain para compreenderem como funcionam e quais os seus riscos. O silêncio ou inação por parte de reguladores não deverá ser interpretado como consentimento. Um caso notório, com significativa perda, poderá desencadear intervenção direta.
Entretanto, aqueles que organizam as ICO fariam bem em criar medidas para mitigar a sua responsabilidade se reguladores se focarem nas mesmas. Exemplos de medidas:
- Atrasar a distribuição de tokens até a rede subjacente se encontrar a funcionar.
- Apenas utilizar tokens com valor de utilização e evitar tokens que surjam apenas como investimento especulativo.
- Recorrer a software de código aberto e utilizar uma blockchain aberta e transparente.
- Gerir o processo como se tratando de um investimento regulado, incluindo com informações sobre os riscos e medidas para lutar contra fraudes e branqueamento de capitais.
- Reservar uma porção dos tokens digitais como fundo de reserva para ir ao encontro de quaisquer obrigações de licenciamento (se exigidas) ou custos com regulamentos e multas.
- Não permitir que programadores possam negociar os seus tokens digitais até os objetivos de desenvolvimento do projeto terem sido alcançados.
As ICO são o oeste selvagem do setor financeiro neste momento. No entanto, também muitos mercados emergentes e desregulamentados acabaram por adotar normas. Se a tecnologia se desenvolver de forma adequada acabará por atrair cada vez mais pessoas – e, com as mesmas, maior financiamento. Poderá ser um admirável mundo novo.